Licença-paternidade no Brasil: o direito que o Congresso ainda não regulamentou
- Anna Carolina Romano

- 7 de ago.
- 4 min de leitura
Licença-paternidade no Brasil: o direito que o Congresso ainda não regulamentou
A licença-paternidade é um direito constitucional garantido aos trabalhadores brasileiros desde 1988. Prevista no Artigo 7º da Constituição Federal, sua criação marcou uma mudança no reconhecimento do papel do pai nos cuidados com os filhos. No entanto, mais de três décadas depois, esse direito ainda não foi regulamentado por uma lei específica e permanece limitado a apenas 5 dias de afastamento remunerado, salvo exceções pontuais.
Enquanto a licença-maternidade foi ampliada progressivamente — chegando a 120 ou até 180 dias — a licença-paternidade ficou estagnada, deixando milhões de pais brasileiros sem a possibilidade de participar de forma ativa dos primeiros dias de vida de seus filhos.
Neste artigo, vamos explicar como funciona a licença-paternidade no Brasil, as normas atualmente em vigor, os desafios legais e culturais para sua ampliação e as movimentações recentes que indicam uma possível mudança no cenário nacional.
O que é a licença-paternidade?
A licença-paternidade é o período de afastamento remunerado concedido ao trabalhador após o nascimento, adoção ou obtenção de guarda de um filho. Seu objetivo é permitir que o pai possa participar ativamente dos cuidados iniciais da criança, fortalecendo o vínculo familiar e contribuindo para a divisão mais equilibrada das responsabilidades parentais.
Esse direito foi incluído na Constituição de 1988, com a previsão de uma licença mínima de 5 dias, conforme estabelecido pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). A intenção era que esse prazo fosse ampliado posteriormente por meio de lei ordinária — o que, até hoje, não aconteceu.

O que diz a legislação atual?
Hoje, o cenário da licença-paternidade no Brasil é fragmentado. A norma geral continua sendo os 5 dias previstos na Constituição e no artigo 473 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No entanto, existem programas e regras complementares que ampliam esse prazo em determinados contextos:
Programa Empresa Cidadã (Lei 11.770/2008): desde 2016, permite que empresas que aderirem voluntariamente ao programa concedam 15 dias extras de licença-paternidade, totalizando 20 dias. Em troca, recebem incentivos fiscais.
Servidores públicos federais: têm direito à prorrogação para 20 dias desde o Decreto 8.737/2016, desde que solicitem o benefício em até dois dias após o nascimento ou adoção.
Pais adotivos: após a Lei 12.873/2013, o pai adotante passou a ter direito a até 120 dias de salário-maternidade, mesmo período previsto para mães adotivas.
Acordos coletivos: categorias profissionais podem ampliar o prazo da licença-paternidade por meio de convenções e acordos com os empregadores, o que tem ocorrido em alguns setores.
Apesar dessas possibilidades, a regra de 5 dias continua sendo a realidade para a maioria dos trabalhadores brasileiros.
Quais são os desafios da regulamentação?
O principal obstáculo é a falta de regulamentação definitiva por parte do Congresso Nacional. Desde 1988, diversos projetos de lei foram propostos para ampliar a licença-paternidade, mas nenhum foi aprovado de forma conclusiva.
Em 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu essa omissão legislativa ao julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 20) movida pela CUT. O STF determinou que o Congresso deve editar uma lei específica sobre o tema em até 18 meses. Caso contrário, o próprio STF poderá fixar as regras.
Enquanto isso, empresas e tribunais têm tentado preencher a lacuna. Grandes companhias como Grupo Boticário, Volvo e Shell adotaram licenças parentais de até 6 meses, de forma igualitária, aplicável a qualquer cuidador — inclusive em famílias homoafetivas ou formadas por pais solos.
Quais são os impactos da licença-paternidade?
Estudos nacionais e internacionais apontam que a ampliação da licença-paternidade traz benefícios para toda a sociedade:
Para as crianças: melhora indicadores de saúde, aumenta a taxa de vacinação, prolonga o período de amamentação e fortalece o vínculo afetivo.
Para as mães: contribui para a divisão de responsabilidades no cuidado, reduzindo a sobrecarga e o impacto na carreira profissional.
Para os pais: permite que eles exerçam seu papel de forma mais ativa, o que reflete positivamente na autoestima e bem-estar.
Para as empresas: melhora a retenção de talentos, promove a diversidade e contribui para um ambiente organizacional mais saudável.
Para o Estado: contribui para a redução das desigualdades de gênero e para a construção de políticas públicas mais eficazes em primeira infância.
Ainda assim, muitas empresas e trabalhadores desconhecem as possibilidades já previstas em lei — como o Programa Empresa Cidadã — ou não se sentem encorajados a utilizá-las por receio de estigmas ou prejuízos profissionais.
Iniciativas recentes e caminhos para o futuro
A Carta Aberta pela Ampliação da Licença-Paternidade no Brasil, lançada em 2024 pela coalização CoPai e mais de 50 organizações, defende a criação de uma licença de pelo menos 60 dias remunerados pela Previdência, com estabilidade no emprego e possibilidade de fracionamento.
Já o Projeto de Lei 3.773/2023, em tramitação no Senado, propõe uma ampliação gradual da licença, chegando a 75 dias, e cria um salário-paternidade nos moldes do salário-maternidade.
Essas iniciativas refletem um movimento mais amplo, alinhado às tendências internacionais, onde a licença-paternidade é tratada como direito social estruturante, e não como um benefício acessório.
Por que conhecer as normas atuais é essencial?
Embora o debate sobre a ampliação da licença-paternidade esteja em andamento, já existem leis, programas e jurisprudências que permitem ampliar esse direito em situações específicas.
Conhecer essas possibilidades é fundamental para que pais, empresas e gestores públicos possam garantir, hoje, um direito mais completo — mesmo antes da regulamentação definitiva.
E, como mostra a experiência recente, as mudanças nas políticas públicas muitas vezes só ocorrem quando há pressão da sociedade civil, articulação de movimentos sociais e produção de conhecimento técnico sobre os impactos das normas existentes.
Quer saber mais sobre como decisões legislativas impactam os direitos sociais no Brasil? Continue acompanhando os conteúdos da Inteligov.





