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O papel do profissional de relações governamentais nas entidades associativas

Atualizado: 24 de fev. de 2023

Guilherme Canielo é administrador de empresas com MBA Executivo, pós-graduado em processo legislativo e marketing. Atua como Relações Institucionais da Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alumínio — Abralatas.

Recentemente conversou conosco sobre a importância do profissional de relgov em uma associação do setor privado. Confira a entrevista exclusiva!

Como é fazer relgov em uma associação, especialmente em uma associação do tamanho e da relevância da Abralatas?


Cada vez mais as empresas e o setor privado como um todo vêm assimilando o relgov dentro de suas estruturas como um trabalho importante, que deve ser pensado de maneira estratégica e profissional. Cheguei na Abralatas há pouco mais de 16 anos e sempre considerei esse trabalho em uma associação como muito relevante. Em uma associação, geralmente você fala em nome de um setor, seja pequeno, médio ou grande. É um pouco diferente se comparado com a representação de apenas uma empresa, onde se defende, logicamente, um posicionamento individual, mesmo quando associada a outros colegiados.


Dessa forma, esse tipo de atuação pode ser feito de duas maneiras: por meio dos respectivos colegiados e de forma individual. No caso da associação é semelhante, mas não tratamos dos interesses de uma empresa só, até por impedimentos legais e de regras internas como as estatutárias, você fala por todos os associados. Essa característica do trabalho de relgov em uma associação acaba fortalecendo sua palavra, no sentido de que quando é colocado a público um posicionamento da Abralatas, na verdade é de todo um setor que está por trás, como, no meu caso, os fabricantes de latas de alumínio para bebidas, além de vários outros atores da nossa cadeia produtiva que estão vinculados à associação.


Entendo que, enquanto associação, você tem um espectro maior de atuação e isso permite, por exemplo, um olhar um pouco mais macro e geral de todas as matérias que possam impactar direta ou indiretamente o setor, o que normalmente é um pouco diferente para empresas, com algumas exceções. Falando de Legislativo, precisamos acompanhar matérias federais, estaduais e municipais porque a embalagem que represento está em todo o país e, particularmente, há unidades fabris instaladas em todas as regiões, onde, a depender da política pública que seja proposta ou implementada, pode ou não impactar especificamente essas operações das empresas associadas à Abralatas.


Se por um lado temos a oportunidade desse olhar mais amplo, do outro é demandada uma estrutura mais robusta para realizar esse trabalho. Não é simplesmente acompanhar e monitorar. O trabalho envolve, na maioria dos casos, a análise de todas as informações pertinentes e a atuação de fato: sair a campo para defender o seu ponto de vista.

Muitas vezes na associação você tem convivência de concorrentes, mas é um espaço onde você precisa chegar em um denominador comum. Esse processo faz com que as pautas cheguem aos tomadores de decisão de uma forma mais palatável. Você acha que isso faz sentido? Como funciona?


Isso na verdade é condição. Não existe possibilidade, enquanto associação, de você levar qualquer tipo de trabalho à frente senão por decisão colegiada que reflita um posicionamento idêntico e idealmente consensual entre as empresas associadas que, na maioria das vezes, são concorrentes. É justamente em uma associação onde concorrentes encontram espaço para poder debater e convergir ideias e projetos que façam sentido para o setor representado, de modo que todos ganhem de uma maneira igual em termos de competitividade.


Na Abralatas não é diferente. Trabalhamos pelo aumento da competitividade da lata de alumínio para bebidas no mercado doméstico, o que beneficia todos os envolvidos, e nunca em uma pauta que interesse individualmente ou parte das empresas associadas. Se não houver entendimento de que vale para todos, não funciona.


E dispor de ambiente adequado para tanto é fundamental. À luz da legislação aplicada, temos o necessário cuidado em cumpri-la, além de considerar as regras de compliance das empresas associadas e da própria Abralatas, conferindo o rigor que essa prática exige e garantindo segurança jurídica para as empresas e pessoas envolvidas. Não tem como ser diferente.

Nós temos um sistema federativo complexo no país. Como é o impacto disso para uma associação como a Abralatas, especialmente em relação a essa preocupação com a legalidade e o cumprimento das disposições normativas? Como é esse desafio?


Isso ocorre, basicamente, de duas maneiras. Primeiro, você prioriza aquilo que é de fato relevante para o setor, não dá para resolver tudo para ontem. Nossos associados têm esse entendimento muito claro e sabem do tamanho do desafio e da complexidade do nosso arcabouço legal. O segundo ponto é se cercar de parceiros que ajudem a executar esses trabalhos, falando especificamente de relações institucionais.

Na Abralatas, falando sobre o monitoramento, você sente a necessidade de capilarizá-lo cada vez mais?


Essa necessidade de capilarizar é crescente e não só para monitoramento, mas também para atuação, principalmente para acompanhar o aumento do número de proposições e para evitar surpresas – mais até do que para levar proposições ou contribuições do setor para as administrações públicas.


Enquanto setor pensamos, na maioria das vezes, nacionalmente. Se temos a intenção de levar alguma visão do nosso setor para frente, seja para o Executivo ou para o Legislativo, encaminhamos pensando em uma solução macro, não pontual, municipal ou estadual. Mas muitas vezes precisamos defender essa visão regionalmente, inclusive para esclarecer ou fazer valer normativas nacionais frente a iniciativas, apesar de bem intencionadas, que ferem essa regulação. Ainda mais quando a publicidade ou demais princípios e regras que as Casas Legislativas e órgãos do Executivo devem seguir não são cumpridas à risca.


Vou dar um exemplo. Recentemente uma nova legislação estadual que trata de rotulagem de alimentos e bebidas foi publicada, mesmo claramente ferindo dispositivos constitucionais e a devida norma federal vigente. A respectiva matéria legislativa teve seus últimos passos cumpridos de maneira excepcionalmente rápida, inclusive com ausência de atualização no respectivo site da Casa ou outras fontes de consulta, o que inclusive dificultou a sociedade a acompanhar e até participar dos debates entorno da proposição.


Resultado: atualmente estamos estudando, juntamente com outras associações interessadas, alternativas para contornar o problema, até mesmo por meio de, infelizmente, eventual judicialização.

Quais são as principais pautas que você vê para o desenvolvimento econômico do país e do setor que a Abralatas defende? Quais os desafios e oportunidades que temos em um cenário de curto e médio prazo?


As principais pautas atuais para o desenvolvimento econômico não irão necessariamente acelerar a retomada da economia após a pandemia, mas certamente corrigir alguns rumos e melhorar o ambiente de negócio de uma maneira geral.


Juntamente com a Administrativa, a Reforma Tributária simboliza muito bem esse momento. Além de ser uma grande janela de oportunidade para reorientar a Economia para um modelo simplificado, moderno e sustentável, certamente poderá ajudar na retomada pós-pandemia da Covid-19, inclusive com a possibilidade de criar ambiente propício para ganhos de eficiência e de produtividade, elevando a competitividade das empresas e, consequentemente, do Brasil.


Além dessas duas Reformas que devem causar impacto principalmente no médio e no longo prazos, podemos citar também importante esforço do Ministério da Economia pela redução do chamado Custo Brasil. Várias iniciativas foram empreendidas desde 2019, caracterizadas pela necessária abertura para participação da sociedade civil organizada, e vêm reunindo soluções diversas para o país, algumas já implementadas até mesmo por meio de medidas provisórias, com efeitos imediatos.


O nosso setor acompanha e participa de todas essas pautas, com atenção especial à da “nova economia”, ou Economia Verde. Sabemos e entendemos perfeitamente que esse é o modelo econômico em adoção pelo mundo. Já não é mais uma questão de concordar ou não, mas em qual ritmo o Brasil irá incorporar esse conceito na sua legislação e nas políticas públicas, especialmente no sistema tributário.


Infelizmente, entendemos que já estamos atrasados em comparação com outros países que consideram o fator socioambiental para estimular boas práticas de mercado. Ainda mais nesse momento de crise de saúde, onde alguns valores da sociedade foram repensados, o modelo de vida que devemos buscar precisa ser mais sustentável e saudável, inclusive o econômico que cumpre papel preponderante de direcionar comportamentos.


Particularmente, nosso setor tem uma característica marcante, vinculada à responsabilidade ambiental. E não é uma realidade só brasileira, mas global. A lata de alumínio para bebidas é a embalagem mais reciclada do planeta e o Brasil é um dos países que lidera essa marca. Então, estimulamos muito esse debate, principalmente no sentido de que sejam implementados dispositivos no sistema tributário sensíveis, digamos assim, ao impacto ambiental de produtos e serviços. Isso é algo que enxergamos não só como oportunidade, mas como necessidade.

Sobre a reforma tributária, um dos pontos que foi entrave durante um tempo foi a questão de criar um consenso entre os diversos setores da economia. Estamos mais perto da construção de um acordo sobre isso no setor privado?


No setor privado não vejo muitos problemas, pelo contrário, vejo um interesse real de que esse assunto avance. Todos sabem que não existe o texto perfeito, a PEC perfeita. Existe aquilo que, de certa forma, atende a maioria, sempre de olho em melhorar o ambiente de negócios e reduzir a complexidade, simplificar. Então não há divergência.


Se há algum entrave, talvez seja um consenso entre os próprios agentes públicos. No setor privado, além de querer, nos colocamos à disposição, estamos abertos a discutir e contribuir. Do outro lado, vemos muito mais uma dificuldade de articulação política para que as coisas avancem, independentemente do setor privado.


De qualquer forma, estamos otimistas com a possibilidade da construção de um acordo que permita avançarmos na Reforma Tributária, mesmo em etapas.

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