O que muda com o novo licenciamento ambiental no Brasil?
- Anna Carolina Romano
- 24 de jul.
- 4 min de leitura
O que muda com o novo licenciamento ambiental no Brasil?
O Congresso Nacional acaba de aprovar uma das mudanças mais significativas na legislação ambiental desde a Constituição de 1988. Com a aprovação do PL 3729/2004, que estabelece a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, o país flexibiliza regras fundamentais de proteção ambiental — e isso acontece em um momento crítico: às vésperas da realização da COP30, que será sediada em Belém, no coração da Amazônia.
Neste artigo, você vai entender o que muda com o novo licenciamento ambiental, quais são os principais pontos de atenção, o que dizem governo e especialistas, e como essa mudança pode impactar o cenário jurídico, político e ambiental nos próximos anos.
Licenciamento ambiental: um breve histórico
O licenciamento ambiental é uma exigência legal no Brasil desde a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981). Ele foi reforçado pela Constituição de 1988, que determinou a obrigatoriedade de estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA) para obras com potencial de degradação.
Com o tempo, surgiram normas complementares e resoluções do CONAMA para regulamentar o processo de licenciamento em nível federal, estadual e municipal. No entanto, a ausência de uma lei geral específica levou a um cenário de insegurança jurídica e procedimentos divergentes entre os entes federativos.
A proposta de uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental surgiu para padronizar e simplificar esse processo. O problema, segundo especialistas, é que a versão aprovada pelo Congresso vai muito além da simplificação — ela fragiliza a proteção ambiental ao dispensar o licenciamento em uma série de casos.

O que diz o PL 3729/2004 sobre o licenciamento ambiental
O projeto de lei, aprovado em 2025 pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, traz uma série de alterações relevantes no processo de licenciamento ambiental:
Criação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC): permite que empreendedores obtenham licença de forma auto declaratória, sem análise técnica prévia de órgãos ambientais.
Dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias: o texto isenta todas as atividades de licenciamento ambiental, independentemente do porte ou localização.
Redução da participação de órgãos como FUNAI e IPHAN: empreendimentos que afetem terras indígenas não demarcadas ou sítios arqueológicos não tombados não precisarão de anuência desses órgãos.
Renovação automática de licenças: empreendimentos poderão renovar licenças com simples autodeclaração, sem verificação do cumprimento das condicionantes anteriores.
Prazos limitados para análise de projetos estratégicos: o governo poderá declarar projetos como prioritários, exigindo decisão sobre o licenciamento em até um ano, mesmo para empreendimentos complexos como exploração de petróleo.
Essas mudanças são justificadas por parlamentares da base ruralista como uma forma de “destravar investimentos” e “reduzir burocracia”. Já especialistas e organizações da sociedade civil classificam o texto como um retrocesso sem precedentes na legislação ambiental brasileira.
Licenciamento ambiental e os riscos para a Amazônia
Uma das principais críticas ao novo modelo de licenciamento ambiental é a sua relação direta com o aumento do risco de desmatamento na Amazônia e em outros biomas sensíveis.
Ao dispensar licenciamento para atividades agropecuárias — principal vetor de desmatamento na região — o projeto abre brechas para que grandes empreendimentos avancem sobre áreas frágeis sem qualquer estudo de impacto ambiental. Além disso, a autodeclaração no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que serve como base para a dispensa de licença, é um sistema ainda precário e vulnerável à grilagem de terras.
Outro ponto preocupante é a redução do papel de instituições fundamentais na proteção de territórios tradicionais, como a FUNAI. Povos indígenas e comunidades tradicionais correm o risco de não serem consultados antes de obras que afetem diretamente seus modos de vida.
O enfraquecimento da análise técnica e da fiscalização prévia é, segundo diversos juristas e ambientalistas, um passo perigoso rumo à “normalização” do desmatamento legalizado.
Governo, Congresso e os dilemas da legislação ambiental
O licenciamento ambiental virou mais um ponto de tensão entre o Executivo e o Legislativo. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi contra a proposta e alertou publicamente para os riscos que ela representa à credibilidade internacional do Brasil.
Mesmo assim, o projeto foi aprovado com ampla maioria no Congresso — 267 votos a favor na Câmara, contra 116, além de maioria no Senado. Agora, o presidente Lula precisa decidir entre sancionar ou vetar o texto, total ou parcialmente.
Do outro lado, parlamentares da bancada ruralista já indicaram que, caso haja veto, trabalharão para derrubá-lo. O impasse político é evidente — e coloca o governo em uma posição delicada, especialmente em um momento em que o país busca reconstruir sua imagem ambiental no cenário global.
A caminho da COP30: o Brasil entre o discurso e a prática
A COP30, conferência climática das Nações Unidas, será realizada em novembro de 2025, em Belém (PA). O evento coloca o Brasil no centro das discussões sobre o futuro do clima — e também sob forte escrutínio internacional.
Nos últimos anos, o governo Lula tem adotado uma agenda mais alinhada à conservação: relançou o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, reativou o Fundo Amazônia e promoveu aumento expressivo na fiscalização.
Em 2023, por exemplo, o desmatamento caiu 42% em comparação ao ano anterior, marcando a primeira reversão significativa em anos. A expectativa do governo é chegar à COP com resultados concretos e apresentar metas ambiciosas, como zerar o desmatamento até 2030.
Mas essa narrativa pode ser comprometida se leis como o PL 3729 forem sancionadas sem alterações. A contradição entre discurso e prática pode prejudicar a credibilidade do Brasil nas negociações internacionais e colocar em risco acordos comerciais e climáticos.
Acompanhe as atualizações sobre licenciamento ambiental e os desdobramentos da COP30
O debate sobre o licenciamento ambiental está longe de terminar. Com vetos presidenciais em jogo, possíveis judicializações e repercussões internacionais, esse tema continuará no centro das atenções nos próximos meses.
Quer continuar por dentro das atualizações sobre política ambiental, relações governamentais e riscos regulatórios?
Conheça a Inteligov e receba informações, alertas, análises e outros dados relevantes sobre as decisões que afetam o seu setor.
