O papel das instituições: como sustentam a democracia
- Anna Carolina Romano

- há 14 minutos
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O papel invisível das instituições — da água ao voto: como sustentam a democracia sem que a gente perceba
Você confia que seu voto será contado? Que a água vai chegar limpa à sua torneira amanhã? Que vacinas, remédios e serviços públicos chegarão com regularidade? Ou que contratos e salários serão respeitados e pagos em dia?
Essa confiança — que às vezes parece automática — só existe porque há um arcabouço invisível que organiza a vida coletiva: as instituições. Elas não são manchetes de jornal. Não estão nas capas de revista. Mas são elas que mantêm o país funcionando, regulando relações, definindo regras e garantindo direitos.
Este artigo explora o que são instituições, por que elas importam, como funcionam no contexto brasileiro e o papel de quem monitora e atua politicamente nesse ambiente.
O que são instituições e por que importam
Instituições — no sentido acadêmico e prático — não se limitam a prédios públicos, leis ou governos. São, como define o economista Douglass North em Institutions, Institutional Change and Economic Performance, “as regras do jogo em uma sociedade”. Essas regras podem ser formais — como constituição, legislação, tribunais, contratos, agências reguladoras, empresas — ou informais — como normas sociais, costumes, cultura, práticas e até aquilo que, no Brasil, conhecemos como “jeitinho”.
Essa distinção é importante porque instituições, em sua forma ampla, são o que permitem que estranhos cooperem entre si: que consumidores comprem de empresas confiáveis, que cidadãos participem de eleições, que contratos sejam cumpridos, que decisões judiciais tenham legitimidade.
O sociólogo e cientista político Francis Fukuyama, em Trust: The Social Virtues and the Creation of Prosperity, afirma que nenhuma sociedade funciona sem um grau mínimo de confiança institucional. Confiança depositada em estruturas que fazem o “jogo coletivo” seguir as regras — mesmo quando ninguém está de olho.
Quando instituições funcionam bem, proporcionam previsibilidade, segurança jurídica, proteção de direitos e ambiente propício para o desenvolvimento econômico. Elas criam o solo fértil para que democracia, mercado e convivência social floresçam.
Por outro lado, instituições fracas — ou instituições fortes que não geram confiança — comprometem essas bases: risco político, insegurança, iniquidade, arbitrariedades, desigualdades, falta de investimentos de longo prazo.

Instituições e desenvolvimento: uma relação direta
No livro Por que as Nações Fracassam?, Daron Acemoglu e James Robinson defendem que o padrão institucional de uma nação — se inclusivo ou extrativo — define em grande medida seu destino. Instituições inclusivas distribuem oportunidades, protegem direitos, limitam abusos. Já instituições extrativas concentram poder e recursos, perpetuando desigualdades e instabilidade.
No Brasil, esse marco conceitual ajuda a entender por que nem sempre recursos abundantes ou potencial econômico natural são suficientes para garantir progresso contínuo. O que frequentemente falta não é riqueza material, mas instituições que funcionem de forma robusta, confiável e previsível.
A pandemia de Covid-19 trouxe um exemplo contemporâneo: a atuação da agência sanitária (ANVISA) e de órgãos regulatórios, bem como a manutenção da legitimidade do sistema eleitoral por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foram decisivas para assegurar vacinas, proteção à saúde pública e a confiança na validação dos votos — mesmo sob intensa pressão política e desinformação.
Esses episódios mostram que instituições não são abstrações: têm impacto direto sobre a vida cotidiana das pessoas, sobre a economia e sobre a cidadania.
O contexto brasileiro: instituições robustas e desafios persistentes
O Brasil possui um conjunto institucional sofisticado e relativamente robusto. Há um poder Judiciário com protagonismo crescente, agências reguladoras, órgãos de controle, um Legislativo plural, sistemas de regulação e fiscalização.
No entanto, há um desafio central: a chamada “cultura institucional”. Conforme analisa o cientista político Leonardo Avritzer, instituições existem, mas nem sempre operam com igualdade, coerência ou continuidade. O que chamamos de “jeitinho brasileiro” representa uma rede informal de práticas que — muitas vezes — convivem ou concorrem com as regras formais.
Isso significa que não basta ter leis ou estruturas: é preciso que elas funcionem de maneira confiável e previsível, com aplicação uniforme e sem privilégios. A fragilidade da confiança institucional, combinada à desinformação, polarização e pressão de grupos de interesse, cria vulnerabilidades e incertezas.
Para quem trabalha com relações governamentais e advocacy, isso representa uma realidade com oportunidades — e riscos. Entender quem são os atores institucionais, como as regras evoluem, quais interesses estão em jogo, torna-se uma tarefa essencial e estratégica.
O papel do advocacy, relações governamentais e monitoramento institucional
Advocacy, lobby e relações governamentais devem ser entendidos como parte do ecossistema institucional — não como “atividades marginais”. Esses atores interpretam o “jogo institucional”, mapeando atores, regras, processos e forças políticas.
Profissionais de relações institucionais têm a missão de antecipar mudanças regulatórias, avaliar riscos e oportunidades, defender interesses com base técnica, promover transparência e dialogar com governos, reguladores e sociedade civil.
Plataformas como a Inteligov exercem um papel central nesse contexto. Ao monitorar proposições legislativas, movimentações regulatórias, pautas de agências e decisões de tribunais, essas ferramentas transformam o “barulho institucional” em informação estruturada e útil. Isso permite tomada de decisão estratégica por empresas, associações, ONGs e atores de advocacy — com base em dados, não em boatos.
Instituições invisíveis, impacto concreto
As instituições são invisíveis até o momento em que falham. Quando funcionam, parecem irrelevantes — mas quando deixam de funcionar, percebemos imediatamente: falta de água, insegurança jurídica, retrocessos em direitos, instabilidade econômica, crises políticas.
Viver em democracia e conviver em sociedade não depende apenas de eleições, mercado ou vontade individual. Depende de regras claras, instituições que funcionam, confiança social e compromisso coletivo com o jogo institucional.
Se instituições são feitas de gente — juristas, legisladores, reguladores, gestores públicos, empresários, cidadãos — cabe a cada um de nós contribuir para fortalecê-las. No fim das contas, o que está em jogo não é apenas o presente, mas o futuro do país.
Você, que acompanha este blog, atua no dia a dia com política, regulação ou advocacy, reflita: o que você tem feito para fortalecer as instituições — e, com isso, contribuir para uma democracia mais sólida e um país mais estável?
📚 Referências e leituras recomendadas
North, Douglass. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge University Press, 1990.
Fukuyama, Francis. Trust: The Social Virtues and the Creation of Prosperity. Free Press, 1995.
Acemoglu, Daron; Robinson, James. Por que as Nações Fracassam? — Versão em português. Objetiva, 2012.
Avritzer, Leonardo. Democratização e Qualidade da Democracia no Brasil. [Editora / ano de publicação conforme edição utilizada].
Abranches, Sérgio. Análises sobre presidencialismo de coalizão e governabilidade no Brasil.





