Como as políticas públicas atuam na prevenção do suicídio no Brasil
- Anna Carolina Romano
- há 19 horas
- 4 min de leitura

O papel da prevenção do suicídio no Brasil
O suicídio é hoje uma das principais causas de morte no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 mil pessoas perdem a vida todos os anos dessa forma.
No Brasil, o quadro é igualmente alarmante: em 2021, foram registrados mais de 15 mil óbitos por suicídio, o que equivale a uma vida perdida a cada 34 minutos. O dado mais preocupante é a tendência de crescimento.
Em uma década, o país registrou aumento de 43% nos casos, com destaque para a faixa etária de 10 a 24 anos, onde a taxa cresceu acima da média nacional. Entre os jovens, o suicídio já figura como a segunda causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos e a quarta entre adultos de 20 a 29 anos.
Além disso, há desigualdades marcantes:
Homens concentram a maior parte dos óbitos, enquanto mulheres apresentam mais tentativas não consumadas.
Povos indígenas enfrentam taxas até três vezes superiores à média nacional.
Estados do Sul e Centro-Oeste historicamente apresentam índices mais altos.
Esses dados reforçam a necessidade de ações estruturadas e contínuas de prevenção do suicídio e promoção da saúde mental.
A Lei 13.819/2019 e a Política Nacional de Prevenção do Suicídio
Um marco decisivo na agenda brasileira foi a Lei 13.819/2019, que instituiu a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio. Essa lei trouxe três pilares fundamentais:
Dever do poder público em atuar de forma integrada, com União, Estados e Municípios.
Notificação compulsória de casos de automutilação e tentativas de suicídio nos serviços de saúde, criando uma base de dados mais confiável para orientar políticas públicas.
Institucionalização do 188, serviço nacional de apoio emocional e prevenção.
O decreto 10.225/2020 regulamentou a lei e criou o Comitê Gestor da Política Nacional, reunindo representantes dos Ministérios da Saúde, Educação, Cidadania e Direitos Humanos. Esse caráter intersetorial reflete a compreensão de que o problema é multifatorial e precisa ser enfrentado de forma articulada.

CVV 188: o canal de apoio 24 horas
Um dos principais instrumentos dessa política pública é o CVV – Centro de Valorização da Vida, que atende gratuitamente pelo número 188 em todo o país. O serviço funciona 24 horas por dia, com sigilo absoluto e é realizado por voluntários capacitados em escuta ativa e acolhimento emocional. Atualmente, são mais de 3 milhões de atendimentos anuais, por telefone, chat e e-mail.
O CVV não substitui o atendimento médico ou psicológico, mas tem papel essencial em interromper a solidão no momento de crise e em encaminhar as pessoas para a rede de saúde mental. Incorporado à lei de 2019, o 188 tornou-se um dos pilares da política nacional de prevenção.
Rede de Atenção Psicossocial e o papel do Executivo
O Ministério da Saúde coordena a execução da política por meio da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Essa rede inclui os CAPS – Centros de Atenção Psicossocial, leitos psiquiátricos em hospitais gerais, unidades de acolhimento, residências terapêuticas e serviços de emergência.
Nos últimos anos, houve uma expansão significativa: o governo federal aumentou em R$414 milhões por ano o orçamento para saúde mental, habilitou novos CAPS e ampliou leitos hospitalares. O objetivo é aproximar o cuidado do território, reduzir filas e descentralizar o atendimento.
Além disso, setores específicos também ganharam atenção. No caso da segurança pública, por exemplo, o Ministério da Justiça incluiu no Plano Nacional de Segurança a meta de reduzir em 30% os suicídios entre policiais até 2030, com ações de apoio psicossocial, treinamento e protocolos pós-incidente.
Legislativo e Judiciário: complementando a política
O Legislativo tem papel crucial tanto na criação quanto no aperfeiçoamento da legislação. Além da Lei 13.819/2019, tramitam projetos como o PL 3033/2024, que propõe garantir atendimento psicológico ou psiquiátrico em até sete dias para pessoas que cometerem autolesão ou tentativa de suicídio, além de apoio a familiares enlutados.
Já o Judiciário atua garantindo o direito de acesso à saúde em casos individuais, determinando, por exemplo, fornecimento de medicamentos ou vagas em CAPS quando o SUS não consegue atender. O Ministério Público também tem papel ativo, com programas como o Vidas Preservadas, no Ceará, que articula planos municipais, capacitações e fluxos de atendimento em escolas e comunidades.
Estados e municípios: ações locais de prevenção
Além das políticas nacionais, muitas estratégias de prevenção ao suicídio ganham força no âmbito estadual e municipal, onde a realidade de cada território exige respostas específicas.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, funciona desde 2017 um comitê intersetorial que reúne diferentes secretarias e entidades para formular e acompanhar ações permanentes de promoção da vida. Já o Ceará aprovou recentemente um plano estadual de prevenção até 2027, estabelecendo metas de redução e priorizando grupos mais vulneráveis, como jovens e comunidades indígenas.
Em nível municipal, iniciativas também se multiplicam. A cidade de São Paulo sancionou a Lei 17.237/2019, que estruturou um programa voltado a adolescentes, com foco em capacitação de professores, campanhas educativas e protocolos de encaminhamento dentro da rede pública de saúde.
Outros municípios, frequentemente com apoio de Ministérios Públicos estaduais, têm desenvolvido planos locais de prevenção, que incluem desde a criação de brigadas escolares e ações de pósvenção (apoio a comunidades impactadas por casos de suicídio) até medidas de restrição a meios letais, como o controle de venda e armazenamento de agrotóxicos em áreas rurais.
Desafios e próximos passos
Apesar dos avanços, ainda existem grandes desafios:
Dificuldade de acesso a profissionais especializados, especialmente em cidades do interior.
Filas longas para psicoterapia e psiquiatria pelo SUS.
Estigma que ainda impede muitas pessoas de buscar ajuda.
Necessidade de orçamento contínuo e de transformar a política em prioridade de Estado, e não apenas de governo.
Caminhos possíveis incluem ampliar o uso de teleatendimento em saúde mental, investir em educação socioemocional nas escolas, fortalecer programas no ambiente de trabalho e aprimorar o monitoramento de dados para orientar ações.
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A prevenção do suicídio e a valorização da vida são responsabilidades coletivas. Políticas públicas estruturadas, canais de apoio como o 188 e redes de saúde mental fortalecidas podem fazer a diferença.
Se você ou alguém próximo precisar de ajuda, ligue 188 ou acesse cvv.org.br. O atendimento é gratuito, sigiloso e disponível 24 horas por dia.
E para continuar acompanhando análises sobre o impacto das políticas públicas no Brasil, confira a série especial de episódios do Entrelinhas, o podcast da Inteligov, dedicada ao Setembro Amarelo.
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