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  • Responsabilidade Social Corporativa

    Com a evolução dos processos tecnológicos e as constantes mudanças provocadas pela popularização da internet, o amplo acesso à informação e a pluralidade de canais e fontes de conteúdo, a sociedade ganhou mais autonomia e recursos e passou a experienciar novas formas de interagir com o mercado. A explosão no uso de redes sociais, combinada à mudança no perfil do consumidor, que se tornou muito mais exigente ao longo dos últimos anos, trouxe impactos significativos para as companhias – uma vez que suas ações têm ganhado mais importância diante de seus consumidores. Dessa forma, à medida em que a sociedade se municia de informação, a opinião pública adquire grande relevância e passa a influenciar diretamente os negócios, obrigando o mercado a olhar para questões prementes ao cidadão comum. A alta exposição sofrida pelas empresas, sobretudo nos meios digitais, dada a grandiosidade de seu alcance, pode ser compreendida como uma das razões para a necessidade de mudança no posicionamento das companhias e de seu relacionamento com o público. Isso porque, cada vez mais, a sociedade busca por marcas comprometidas e engajadas com a transformação social. Ou seja, para que as empresas, sejam elas grandes ou pequenas, obtenham sucesso é fundamental se atentar às ações de responsabilidade social. Isso significa que para maximizar o desenvolvimento econômico, o mercado precisa assegurar, também, o bem-estar social e minimizar os impactos ambientais. De acordo com pesquisa realizada pela Union + Webster, em 2019, 87% da população brasileira prefere comprar produtos ou serviços de empresas sustentáveis e 70% também estão dispostos a pagar mais caro por isso. Sendo assim, para que as empresas possam garantir a prosperidade de seu negócio no longo prazo é necessário encarar o desafio de atender à demanda cada vez mais crescente por parte da sociedade de contribuir significativamente em relação aos problemas sociais, éticos e ambientais. A responsabilidade social corporativa Embora o mundo digital tenha profunda influência e dite grande parte das tendências de responsabilidade social, moldando e formalizando o que se espera em relação a uma postura de maior comprometimento com os impactos que estas companhias geram, este conceito está presente na sociedade há décadas, muito antes das manifestações digitais. Em 2001, na cidade de Bruxelas, na Bélgica, por exemplo, a Comissão das Comunidades Europeias elaborou o Livro Verde – publicação que registra o objetivo da Comissão de promover a responsabilidade social das empresas. O documento afirma que “ser socialmente responsável não se restringe ao cumprimento de todas as obrigações legais – implica ir mais além através de um ‘maior’ investimento em capital humano, no ambiente e nas relações com outras partes interessadas e comunidades locais.” Dessa forma, é necessário que as empresas façam mais do que a obrigatoriedade prevista em lei; para ser socialmente responsável é preciso repensar a postura adotada e fomentar ações benéficas para toda a sociedade. Nesse sentido, o desenvolvimento da responsabilidade social dentro de uma companhia deve passar, primeiramente, pela construção da cultura ética organizacional e deve estar orientado para políticas internas e externas. Uma vez que uma empresa está inserida na sociedade, ela tem responsabilidade com todos os entes com os quais se relaciona, sejam eles fornecedores, clientes, governo ou comunidades. A responsabilidade social corporativa, portanto, diz respeito à maneira como uma empresa lida com o capital humano, ou seja, com as pessoas, em diferentes esferas e contextos. O ponto de partida é justamente a adoção de medidas que tenham em primeiro plano o benefício aos seus funcionários, sua saúde, salários mais justos, promoção dos direitos humanos, representatividade e diversidade em suas contratações, e avaliação e tratativa dos impactos que são causados no ambiente em que se estabeleceu e na comunidade à sua volta. Ao trabalhar as boas práticas internamente, as empresas também se beneficiam por se tornarem capazes de atrair mais investidores e profissionais, estimulando, assim, o seu crescimento. Para se ter ideia, um relatório desenvolvido pelo Workmonitor revelou que 81% dos brasileiros acham importante trabalhar em uma empresa que tenha um programa de responsabilidade social robusto e 78% pesquisam a atuação das companhias na área de responsabilidade social antes de se candidatar a uma vaga. Em relação às políticas externas, os impactos para as corporações, públicas ou privadas, são ainda mais palpáveis, considerando que a maneira como elas se posicionam dentro do mercado as tornam mais vulneráveis à opinião pública. A percepção da sociedade diante de suas ações é fundamental para o desenvolvimento econômico e social das empresas. Por essa razão é essencial que suas políticas sejam sólidas – gerando impactos positivos à vida das pessoas – a fim de estabelecer relações de confiança e engajar seus grupos de interesse para garantir sua integridade e fortalecer sua presença no mercado. E, muito mais do que ser bem vista socialmente, adotar práticas de responsabilidade social traz às companhias, ainda, um fator de diferenciação em um mercado altamente competitivo. Por meio destas ações é possível gerar soluções de benefícios mútuos que tragam mais retorno dos investimentos e, consequentemente, melhores resultados aos negócios. Responsabilidade social e as relações institucionais e governamentais Tendo em vista que a acepção da responsabilidade social corporativa é vital para o desenvolvimento do negócio, vale destacar que sua execução também traz impactos às áreas de relações institucionais e governamentais. Isso porque sua prática se relaciona inerentemente com a transparência dos processos e a difusão e propagação de informações. Com isso, ao comunicar ações e propostas, de modo a unir a sociedade, organizações privadas e agentes do governo, por meio de diálogo aberto e transparente, o departamento de relações institucionais e governamentais se torna absolutamente estratégico para as companhias. A reputação de uma empresa, construída também a partir de como ela se mostra à sociedade, ressaltando seu comprometimento com a responsabilidade social, gera respeito e autoridade em seu posicionamento. Essa combinação fornece aos profissionais de relações institucionais e governamentais a capacidade de antecipar cenários e analisar, cuidadosamente, a elaboração de políticas e ações estratégicas para a constituição de alianças que possam viabilizar a criação de pontes com o poder público a fim de trazer melhores resultados. De forma geral, é crucial que toda empresa que deseja perpetuar sua marca incorpore em sua estrutura organizacional a prática da responsabilidade social, ciente de que o caminho para o sucesso traz, ainda, inúmeros benefícios à sociedade.

  • Deepfake e shallowfake: o que são e como podem impactar as eleições

    Os avanços tecnológicos são cada vez mais constantes e palpáveis. A todo instante, novas tecnologias são desenvolvidas e seu processo de evolução recai sobre a sociedade com alto impacto – servindo como um importante propulsor de grandes mudanças sociais. Mas mais do que orientar e facilitar atividades cotidianas, a tecnologia tem se mostrado como um poderoso agente de transformação, capaz de ditar o comportamento e o posicionamento de cidadãos diante de momentos de tomadas de grandes decisões. Um exemplo disso é justamente o uso de tecnologia, aplicada, principalmente, à utilização massiva das redes sociais – inclusive com o auxílio de robôs –, durante as eleições. Em 2018, no decorrer das campanhas eleitorais, o Brasil experienciou a força das fake news. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ideia Big Data, mais de dois terços das pessoas entrevistadas afirmaram ter recebido notícias falsas pelo WhatsApp. Além disso, segundo relatório desenvolvido pelo Instituto Ipsos, os brasileiros são os que mais acreditam em fake news em um grupo de 27 países analisados. O resultado mostra que 62% da população brasileira já acreditou em um boato que se espalhou pela internet. Esse cenário, além de corroborar o potencial da disseminação de notícias falsas, expõe a necessidade urgente de educação digital e alerta para uma nova preocupação: deepfake e shallowfake. Deepfake e shallowfake: nova modalidade de desinformação Os novos conceitos podem ser compreendidos como uma derivação mais elaborada e sofisticada da fake news. Deepfake nada mais é do que uma técnica para recriar sons e imagens, que resultam em um vídeo falso – destruindo a crença de que arquivos de áudio e vídeo são confiáveis e provas, quase sempre, irrefutáveis. Com o uso de softwares de inteligência artificial, principalmente o machine learning, que utiliza dados para aprender com eles, são usados algoritmos para fazer o reconhecimento da imagem que será copiada e, a partir de redes neurais artificiais, os algoritmos classificam imagens, reconhecem falas, detectam objetos e são capazes de aprender o formato de rostos, se atentando às expressões faciais e se adaptando e reagindo às luzes e sombras. Com isso, é possível criar um vídeo utilizando o rosto e a voz de uma pessoa mostrando que ela fez e disse coisas que nunca aconteceram. A criação é feita com base em um conteúdo original. Ao fornecer informações ao software é gerado um segundo vídeo em que é possível alterar parte de uma frase, inserindo-a em outro contexto, ou mudando-a completamente. Já o shallowfake se trata de uma produção menos refinada, com edições mais superficiais e grosseiras. Por não fazer uso de softwares de inteligência artificial, os vídeos de shallowfake costumam descontextualizar o conteúdo original, acrescentando ou removendo informações de fala de maneira intencional. Sua construção menos requintada, no entanto, reforça o mesmo processo de desinformação ao cidadão. Os impactos sociais, políticos e econômicos do deepfake e shallowfake A prática de adulterar vídeos usando programas de inteligência artificial, que requerem grande conhecimento de programação, teve início com usuários criando montagens de vídeos com conteúdo pornográfico, geralmente atribuindo aos papéis às imagens de atrizes e celebridades famosas. Mas o processo evoluiu e as intenções podem se modificar ao atingir novos patamares. Na economia, por exemplo, o valor das ações de grandes empresas sofre variações também por sua reputação no mercado, levando em conta declarações de seus CEOs. Um vídeo falso de um presidente de uma grande companhia, que contenha conteúdo ofensivo, por exemplo, pode ter uma repercussão sem escalas e ser o suficiente para derrubar a empresa. Outra grande preocupação, para além da econômica, consiste no sistema judiciário, uma vez que com a propagação de deepfakes e shallowfakes, as provas em vídeo possam entrar em descrédito. Essa possibilidade pode fazer com que os sistemas judiciários do mundo todo entrem em colapso. No âmbito político, a pressão para barrar as novas técnicas são ainda maiores, sobretudo em período de eleição – momento em que sua utilização tende a crescer e a causar impactos estrondosos. Nos Estados Unidos, por exemplo, um vídeo da presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, foi editado para que a congressista parecesse embriagada em um de seus discursos. O vídeo viralizou nas mídias sociais e teve mais de 6,3 milhões de visualizações. Outro caso conhecido é do senador americano Bernie Sanders, no qual aparece em vídeo se apresentando como um dos candidatos do programa America’s Got Talent. Ambos os vídeos configuram uma quebra na imagem e reputação dos políticos, podendo ser responsáveis pela definição de suas carreiras. Dessa forma, as eleições podem sofrer drasticamente com base neste tipo de conteúdo viral. O compartilhamento desses vídeos como sendo reais pode impactar a opinião pública de maneira irreversível. Primeiro porque suas construções bem elaboradas podem facilmente confundir o cidadão comum, levando-a acreditar que se trata de um vídeo verdadeiro. Depois porque, ainda que um especialista em vídeo possa desmentir o conteúdo do vídeo, comprovando sua falsidade, essa informação pode não chegar a todas as pessoas, principalmente porque esse tipo de conteúdo nunca viraliza com a mesma proporção dos conteúdos falsos. Eleitores com opiniões já formadas podem se munir de um deepfake para atacar o candidato da oposição e, assim, construir uma imagem completamente negativa a seu respeito, influenciado demais eleitores. E, assim como com as fakes news, pode haver uma banalização de vídeos deepfakes, fazendo com que materiais realmente verdadeiros causem dúvidas sob a alegação maciça de que tudo pode ser falso. O combate e a mitigação às deepfakes e shallowfakes No Brasil, um país já mergulhado na disseminação de notícias falsas, o uso desses artifícios pode causar danos sem precedentes. Neste ano, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) se concentrará em avaliar e punir os responsáveis pela divulgação de fake news em 2018 e buscará aprimorar a legislação para evitar que esse processo se repita nas próximas eleições. Apesar disso, é pouco provável que as eleições de 2020 consigam passar ilesas pela criação de deepfakes e shallowfakes. Para combater esta prática é preciso ir muito além da criação de uma legislação mais rígida; é preciso que todos os entes da sociedade estejam comprometidos com sua mitigação, seja por alertar sobre a nova modalidade, pela disseminação de informações corretas até o desenvolvimento de softwares que possam identificar e barrar a divulgação destes conteúdos. No ano passado, o Buzzfeed publicou um vídeo em que o ex-presidente Barack Obama fala sobre coisas que nunca diria, incluindo ofensas à Donald Trump. No decorrer do vídeo o usuário entende que se trata de um deepfake. Segundo o próprio site, a intenção do vídeo era alertar para o perigo desta prática. O Facebook – após seu criador, Mark Zuckerberg, ter sido alvo de um vídeo deepfake, no qual fala sobre o roubo de informações, anunciou que irá remover conteúdos manipulados da rede, que tenham características de um deepfake. Além disso, também está em estudo uma forma de melhorar a detecção de deepfakes. Se um conteúdo for classificado como falso ou parcialmente falso por um de seus verificadores, o post terá seu alcance reduzido e, ao compartilhar, o usuário receberá um aviso de que se trata de uma publicação falsa. Outras empresas focadas em tecnologia também estão analisando maneiras de eliminar este tipo de conteúdo. Google, Microsoft, entre outros, lançaram o Deepfake Detection Challange, um desafio para a criação de tecnologia capaz de detectar deepfakes. Para o cidadão comum, algumas dicas podem ajudar na hora de avaliar se um vídeo é verdadeiro ou não. Recorte de locais de gravação ou até mesmo de falas, com alteração de velocidade, a fim de criar uma nova narrativa, podem ser consideradas características de um potencial deepfake, assim como o embaçamento e desfoque do rosto, principalmente da região da boca, onde pode haver dessincronização de áudio e vídeo, expressões faciais, timbre da voz e entonações. Especialistas apontam que um dos principais pontos de atenção é notar se os olhos da pessoa retratada no vídeo estão fixos. Na maior parte dos vídeos deepfakes, os olhos não piscam, justamente por ser um objeto de grande dificuldade na hora de editar. Por fim, enquanto novas tecnologias são criadas para combater os malefícios gerados pelo mau uso da própria tecnologia, resta a toda a sociedade buscar por mais educação digital, a fim de evitar o derramamento de conteúdos falsos que possam levar ao enfraquecimento e o declínio do sistema democrático.

  • Como se preparar para a Lei Geral de Proteção de Dados

    Dados pessoais são ativos extremamente valiosos. Mas, diante do grande consumo das plataformas digitais, sobretudo, a preocupação com a proteção de informações perde cada vez mais espaço. Diariamente, usuários fornecem seus dados sem ter consciência e, principalmente, controle do que é feito com eles. Foi somente após recentes escândalos de vazamentos de informações pessoais por grandes empresas, como é o caso do Facebook, que diversos países passaram a discutir e a acelerar o processo para a criação de leis que protegessem os dados pessoais de seus cidadãos. No Brasil, o tema ainda não é amplamente explorado. Inspirado no Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR), o parlamento brasileiro aprovou, em 2018, a lei 13.709/18, que cria a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A medida, cujo principal objetivo é justamente garantir a proteção dos dados pessoais e oferecer à sociedade um maior controle sobre as informações que os setores público e privado armazenam sobre ela, trará grandes impactos para todas as companhias que estabeleçam qualquer negócio no mercado brasileiro ou coletem informações de residentes no país – uma vez que sua aplicação não se restringe aos limites geográficos do Brasil. A LGPD define como dado pessoal qualquer informação capaz de identificar ou que torne a pessoa identificável – sejam dados considerados básicos, como nome, telefone e endereço, ou sensíveis, que, devido a sua natureza, podem causar constrangimento ou discriminação, como dados relativos à origem racial ou étnica, posicionamento político e religião. Portanto, diante deste novo cenário, as companhias têm um grande desafio pela frente: o tratamento e a proteção das informações pessoais em toda sua cadeia de operação, ou seja, será necessário adequar sistemas para o processamento de dados em todas as etapas; da coleta até a sua eliminação. Impactos e o passo a passo para a adequação Para Ricardo Maffeis, advogado, consultor da área de Contencioso Digital do Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados, membro do Centro de Estudos Avançados de Processo (Ceapro) e da Comissão de Estudos de Inteligência Artificial do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), o impacto para as empresas será grande na medida em que elas – enquanto organizações que armazenam dados das pessoas – passarão a ter a obrigação de guardá-los com segurança, sempre em benefício do cidadão. “À primeira vista, pode-se pensar em impactos financeiros, mas é certo que as empresas que estiverem preparadas terão um diferencial competitivo (confidencialidade e respeito externo) frente a seus concorrentes ainda não adaptados à nova lei”, afirma. Embora exista um Projeto de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados para prorrogar em dois anos, de agosto de 2020 para agosto de 2022, a vigência da LGPD, a adequação se torna cada vez mais urgente, especialmente porque houve pouco avanço na implementação de estruturas voltadas ao tratamento dos dados pessoais desde que a lei foi promulgada em 2018. Muitas empresas ainda não estão em conformidade com a nova regulamentação. Segundo uma pesquisa realizada pela Serasa Experian, em 2019, cerca de 85% das companhias brasileiras ainda não estão prontas para executar todos os aspectos exigidos pela lei em relação ao tratamento dos dados pessoais. Maffeis explica que para que a empresa possa se adequar à LGPD é fundamental contar com apoio especializado. “A lei é muito técnica para que a maioria das empresas decida fazer tudo sozinha. Um ponto essencial é a conscientização da importância da adequação à lei, pois se os funcionários não estiverem realmente interessados e engajados na tarefa e o diagnóstico for mal feito, por exemplo, todo o trabalho pode ser perdido ou, no mínimo, o plano de adequação não abrangerá todas as áreas da empresa, deixando-a vulnerável a sanções”, reforça. Ainda de acordo com o advogado, para que a reestruturação de qualquer organização que trabalhe com dados possa ocorrer de maneira eficiente é preciso seguir alguns passos. A primeira etapa inclui a conscientização das áreas, mapeamento das atividades e avaliação dos riscos. Por isso, o primeiro passo é o diagnóstico de como a empresa recebe e estrutura os dados atualmente e como cada departamento recebe informações pessoais e o tratamento que cada um dá aos dados recebidos. “Um diagnóstico bem feito e que demonstre a realidade da empresa é o passo fundamental para todo o projeto de estruturação à nova lei.” A seguir, com base no que foi apurado, passa-se à estruturação do programa de privacidade, onde é sugerida a criação de uma estrutura de governança e são definidos os responsáveis pela privacidade na empresa e as políticas internas. Segue-se, então, com uma revisão dos documentos e contratos da empresa, com inclusão de avisos de privacidade claros para que os titulares tenham plena consciência de como seus dados estão sendo tratados. Por fim, é importante estabelecer uma fase de treinamentos internos e comunicação, para que todos saibam que a empresa está adaptada e quais os novos procedimentos. “Entendo essa fase como essencial, na medida em que um elo frágil pode prejudicar toda a cadeia bem programada de proteção de dados”, afirma Maffeis. Agentes, regulação e sanções A fim de garantir o cumprimento da norma, foi sancionada, em 2019, a lei 13.853, que cria a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) – órgão vinculado à Presidência da República que deverá fiscalizar a aplicação da LGPD e aplicar sanções diante do descumprimento da legislação. Vale lembrar que a própria lei designou a criação dos chamados agentes de tratamento de dados pessoais, estabelecendo as figuras do Controlador; responsável por decidir o tratamento que será dado aos dados pessoais, e o Operador; responsável por aplicar o tratamento. Além disso, também foi definida a posição do Encarregado/DPO que, assim como os demais, pode se tratar de pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, atuará como ponte para a comunicação entre os titulares dos dados e a empresa e entre esta e a ANPD. Em caso de não cumprimento da lei e mediante a comprovação de violação no tratamento de dados pessoais, as empresas poderão ser penalizadas com multas de 2% do faturamento – com limite de R$ 50 milhões por infração, além de tornar pública a infração, bloquear e eliminar os dados pessoais. Nesse contexto, mais do que o prejuízo financeiro para as empresas, não estar em conformidade com a LGPD pode causar danos irreparáveis para a imagem as companhias. Maffeis ressalta que a área de Compliance também possui grande relevância na adequação da nova regulamentação, principalmente na maneira como a empresa é percebida no mercado e pelo consumidor, em aspectos contundentes como confiança e credibilidade. “A proteção dos dados pessoais está na pauta do dia das autoridades e da imprensa, não cumprir a lei ou, pior, ser sancionado pela ANPD é algo muito ruim para a imagem”, afirma.

  • Políticas Públicas: o que são e como se constroem

    Com a promulgação da Constituição Federal no Brasil e a ascensão da democracia, o Estado se tornou peça-chave para a promoção do desenvolvimento no país. A diversificação de suas responsabilidades revelou a necessidade de desenhar políticas públicas para assegurar o bem-estar da sociedade e garantir ao cidadão o cumprimento de seus direitos conforme previsto pela Carta Magna. Diante deste cenário, as políticas públicas ganharam relevância por, além de contribuir como um estímulo para a economia e o crescimento de determinada região, também serem descritas como um importante instrumento para o fortalecimento do regime democrático, uma vez que, por definição, são um conjunto de ações, programas e decisões tomadas pelos governos – nas esferas nacional, estadual e municipal –, que têm como finalidade solucionar os problemas da sociedade. Para atender as demandas da população, no entanto, é preciso desempenhar um complexo processo de, inicialmente, identificar suas necessidades – considerando que a gama de áreas que carecem de investimentos contínuos, e muitas vezes específicos, como educação, saúde, segurança e habitação, por exemplo, é bastante extensa, tendo demandas abundantes e, na maioria das vezes, recursos escassos. Dessa forma, para dar vazão à sua construção, as políticas públicas requerem uma estruturação de etapas para que sejam devidamente formuladas. Sua elaboração conta com o planejamento, criação e execução por meio da intersecção dos Três Poderes; tanto o Legislativo como o Executivo podem propor políticas públicas e cabe ao Legislativo a criação de leis referentes à política pública desenhada, enquanto o Executivo é responsável por todo o planejamento de ação e pela aplicação da medida, restando ao Judiciário o controle e a fiscalização da lei elaborada. Para tanto, foi desenvolvido o Ciclo de Políticas Públicas, ou seja, um conjunto de etapas que perpassam pela identificação do problema, fase de reconhecimento de situações que precisam de soluções; formação de agenda, momento em que são definidas quais questões levantadas têm mais urgência para serem tratadas; tomada de decisão, etapa em que são estipuladas as ações que serão executadas, como recursos e prazos de ação da política, por exemplo – neste momento, as decisões são expressas em leis, normas, decretos etc.; implementação, momento de ação, em que as escolhas se tornam atos e as políticas públicas são colocadas em prática; e, por último, a etapa de avaliação, que consiste em analisar a eficiência dos resultados obtidos e a identificação de ajustes e melhorias necessárias. Os tipos de políticas públicas As políticas públicas possuem inúmeros objetivos e particularidades distintas. Sendo assim, existem diversos tipos de políticas que impactam diretamente a sociedade. Entre elas, as principais são: as políticas públicas distributivas, redistributivas, regulatórias e constitutivas. Políticas públicas distributivas Financiadas pelo orçamento público, as políticas distributivas estão relacionadas ao fornecimento de serviços e equipamentos por parte do Estado a uma parcela da população, beneficiando alguns grupos sociais ou regiões. São comumente conhecidas como “políticas sociais”. Políticas públicas redistributivas São políticas públicas cujo objetivo é alocar bens ou serviços para reduzir a disparidade social. As políticas redistributivas visam o benefício de cidadão de baixa renda e trazem como exemplos a isenção de impostos para famílias de classes sociais mais baixas e o financiamento educacional. Políticas públicas regulatórias Relacionada à legislação, as políticas regulatórias incidem sobre a criação e a fiscalização de leis que assegurem o bem comum. Podem instituir princípios de conduta para comercialização de produtos, regulações de trânsito, entre outras. É responsável, inclusive, pela normatização das políticas distributivas e redistributivas. Políticas públicas constitutivas São políticas que estabelecem e distribuem a responsabilidade entre municípios, estados e o Governo Federal e estipulam competências e formas de participação social nestas ações. Basicamente, regulamentam a própria criação das políticas públicas. Os atores das políticas públicas e o papel das relações institucionais e governamentais As políticas públicas podem contar com a participação de entes públicos ou privados, de maneira direta ou indireta, ou seja, podem ser divididas pela atuação de atores estatais ou privados – categoria a qual pertencem entidades representativas da Sociedade Civil Organizada, sindicatos, grupos de interesse e entidades de representação empresarial, entre outros. Tendo em vista a defesa de interesses, a participação da sociedade nesse contexto é fundamental no processo de formular, acompanhar, fiscalizar e avaliar a criação de políticas públicas, sobretudo quanto a atuação de grupos de interesse e de profissionais de Relações Institucionais e Governamentais (RIG). Nesse caso, conhecer o governo e ter consciência de seu poder de influenciar, de forma legítima, o processo decisório acerca da construção de políticas voltadas à sociedade – seja no âmbito público ou privado –, é indispensável para o profissional de RIG na obtenção, preservação ou ampliação de direitos. Sua performance é de extrema relevância na interface com o poder público para a elaboração de políticas públicas mais qualificadas, contribuindo, ainda, para a constituição de um ambiente regulatório mais favorável para o desenvolvimento do país, além de ser capaz de prevenir e mitigar danos para a sua área de atuação. Soma-se sua capacidade técnica ao alto poder de influência e o profissional de RIG tem como resultado a possibilidade de influir diretamente na legislação de modo a convergir com os interesses de seus representados. Por isso, é essencial ao profissional de relações institucionais e governamentais estar atento às ações do Poder Legislativo e monitorá-las constantemente. Para realizar o acompanhamento de maneira eficiente, é importante olhar para a tecnologia como uma aliada no processo e entender os benefícios de uma gestão por meio de plataformas inteligentes, como a Inteligov. Conheça a plataforma e fale com um de nossos especialistas.

  • As primárias nas eleições dos EUA

    À primeira vista, o sistema eleitoral americano pode parecer complexo. Diferentemente do Brasil onde as eleições para presidente ocorrem de forma direta – ou seja, a população é responsável por eleger um candidato por meio do voto, porém não tem espaço para definir quais candidatos concorrerão ao maior cargo do país –, nos Estados Unidos esse processo acontece de maneira indireta. Apesar do modelo dar ao cidadão o poder de escolher e influenciar a decisão sobre qual candidato disputará a presidência, participando ativamente desta etapa, a definição do vencedor envolve outros fatores. Para chegar à Casa Branca é preciso trilhar um longo percurso. Nos Estados Unidos, o processo eleitoral dura quase um ano e tem início com as primárias; prévias partidárias que definirão os candidatos de cada partido. Ao contrário da crença comum, os EUA não possuem um sistema bipartidário, existem diversos micropartidos no país, no entanto, apenas dois – Democrata e Republicano – têm relevância no cenário político americano. Sendo assim, no primeiro semestre de todo ano eleitoral as primárias são organizadas pelo governo de cada estado americano. Esse processo tem como objetivo definir os chamados delegados, ou seja, agentes que estão comprometidos com um pré-candidato, o qual representarão na convenção nacional dos partidos – fase posterior às prévias partidárias. Os delegados podem ser pessoas locais de cada partido, representantes estatais, oficiais etc., e têm como função transmitir os votos dos eleitores de seu estado durante a convenção. O modelo de cada primária varia de acordo com o estado. É possível ter primárias abertas, onde qualquer pessoa pode votar em um pré-candidato, independentemente do partido e sem necessidade de filiação, como é o caso de Alabama, Arkansas, Geórgia, Idaho, Indiana, Michigan, Minnesota, Mississipi, Missouri, New Hampshire, North Dakota, Ohio, South Carolina, Tennessee, Texas, Vermont, Virginia, Washington, Wisconsin, e as primárias fechadas, que só permitem que eleitores registrados em determinado partido possam votar em pré-candidatos do mesmo partido, como acontece no Colorado, Connecticut, Delaware, Washington DC, Florida, Kentucky, Maryland, Nebraska, New Mexico, New York, North Carolina, Oklahoma, Oregon, Pensilvânia, Porto Rico, South Dakota, Utah e West Virginia. A diferença entre os dois sistemas traz vantagens e desvantagens, de maneira que nas primárias fechadas, eleitores que não são filiados a nenhum dos partidos não têm direito de votar no pré-candidato que melhor os representam. Por outro lado, as primárias abertas dão margem para que eleitores do partido oposto se infiltrem para votar no candidato mais fraco, a fim de beneficiar o candidato de seu próprio partido. Vale lembrar, porém, que em ambas as prévias, os eleitores podem votar apenas uma vez. O cálculo dos delegados Nas primárias, o processo acontece de forma parecida com a votação no Brasil: cada eleitor entra em uma cabine e dá o seu voto de maneira secreta. No entanto, como os cidadãos não votam diretamente em um candidato à presidência, mas sim em um pré-candidato, a contagem dos votos possui critérios e objetivos distintos. O número de votos em cada pré-candidato é convertido no mesmo percentual de delegados. Isso significa que o voto vai para o delegado, alguém que representará o voto em apoio ao candidato escolhido. Além disso, o número de delegados muda de acordo com cada estado e definição de quantos delegados cada um dos 50 estados terá é proporcional à sua população, ou seja, quanto mais populoso, maior o número de delegados; Minnesota, por exemplo, possui três delegados, enquanto a Califórnia soma 55. Para garantir a nomeação é necessário bater a marca de 1990 delegados. Outro ponto divergente do Brasil é que a votação para os delegados também não é, necessariamente, proporcional aos votos e há diferença neste processo entre os dois partidos. No caso dos democratas, a contagem dos votos nos estados acontece proporcionalmente e o cálculo se aproxima de um para um. Se um candidato receber 60% dos votos e outro 40%, o placar para a convenção nacional do partido fica em 6×4. Já para os republicanos, o processo é diferente: com exceção de Nebraska e Maine, que possuem outros métodos de votação, vigora o sistema de winner takes all (o vencedor leva tudo, em tradução livre). Ou seja, o pré-candidato mais votado fica com todos os deputados do estado, ainda que a disputada tenha sido acirrada. A partir disso, o Colégio Eleitoral é constituído e, ao fim das prévias, vence quem tiver mais delegados. Ao todo, fazem parte do Colégio 538 delegados, que serão os reais responsáveis pela definição do novo presidente dos Estados Unidos. Isso porque, embora os votos populares sejam importantes, é no Colégio Eleitoral que a decisão será tomada, sendo necessário que o candidato tenha 50% mais um dos votos dos delegados – o equivalente a 271 votos –, para ser eleito. Caso nenhum dos candidatos consiga o número de votos necessários, a Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados) decidirá quem será o novo presidente. Na história das eleições americanas é comum que o Colégio Eleitoral siga a tendência dos votos populares, elegendo o mesmo candidato. No entanto, por quatro vezes, os delegados fizeram uma escola diferente. Em 2000, por exemplo, o candidato democrata Al Gore saiu na frente de George W. Bush nas eleições gerais, tendo conquistado 51.003.926 votos populares contra 50.460.110. Apesar disso, Bush recebeu mais votos no Colégio Eleitoral – 271 a 266 – e foi eleito presidente. O sistema caucus Além das primárias, o sistema eleitoral americano traz, ainda, outra peculiaridade: o caucus. O método de votação ocorre também na fase inicial das eleições, junto com as primárias, e vigora somente em alguns estados, como Hawaii, Alaska e, o mais famoso deles, Iowa – que, devido a quantidade de habitantes, tem o poder de indicar o rumo das eleições. Embora não exista uma tradução exata para a palavra, o caucus pode ser compreendido como um processo coletivo de votação. Na maioria das vezes, seu processo pode ser considerado obsoleto: o local de votação, pode ser um restaurante, uma igreja, uma biblioteca, escolas, entre outros, e não há definição de horário para início e término da votação, assim como não há cédulas ou urnas para contabilizar os votos, diferentemente das primárias. Após a exposição das propostas de diferentes candidatos, realizadas por seus representantes, os eleitores passam por um longo processo de debate e, uma vez que escolhem um candidato, a sala é dividida e eles se deslocam para um canto do estabelecimento em que estão, indo em direção ao lado correspondente de seu candidato. A contagem dos votos é manual e visual. Candidatos que tenham menos de 15% de apoio estão fora da disputa e os eleitores destes candidatos passam a ouvir argumentos e propostas dos demais candidatos. Depois isso, uma nova eleição é realizada com os candidatos que restaram e o processo se repete até que haja um único vencedor. A tradição americana e o processo brasileiro O atual modelo eleitoral dos Estados Unidos vigora no país desde a década de 1970. Antes disso, tanto os candidatos dos partidos Republicano como do Democrata eram escolhidos por um seleto grupo. Até 1968, o cidadão comum não participava deste processo. A mudança foi adotada, inicialmente, pelos democratas e logo após aderida também pelos republicanos. O objetivo desta medida foi ampliar o processo democrático, dando aos eleitores um papel muito importante antes da eleição final. No Brasil, embora os cidadãos não tenham autonomia para decidir quem disputará as eleições, o voto final, que fará com que um candidato seja, de fato, eleito, está nas mãos na sociedade. Outra diferença significativa é que o sistema eleitoral brasileiro não permite a candidatura avulsa – ou seja, para concorrer é necessário estar filiado a um partido político. Além disso, outras características divergem entre os dois processos eleitorais, como a obrigatoriedade do voto, por exemplo. Enquanto no Brasil o voto é obrigatório, para os americanos é facultativo. O tempo de mandato de um presidente, no entanto, é igual para as duas nações.

  • Governo digital: o exemplo da Estônia

    A tecnologia vem se consolidando como uma importante ferramenta para solucionar as demandas da sociedade, sendo, muitas vezes, um mecanismo imprescindível para a construção de diálogos entre cidadãos, empresas e órgãos governamentais. Para países como a Estônia, no entanto, os recursos tecnológicos possuem ainda mais relevância por serem peças-chave em um processo de transformação digital que revolucionou as estruturas de governança da república báltica. Considerada como um dos maiores laboratórios de digitalização e transparência do mundo, a Estônia tem quase cem por cento de seu governo digital. A desburocratização de seus sistemas trouxe mais facilidade e praticidade às operações realizadas pela sociedade: é possível abrir uma empresa em 15 minutos, criar uma conta em um banco em apenas 24 horas e até mesmo participar das eleições pela internet. Para alcançar esse patamar e se alicerçar como um potência tecnológica, muito à frente de outros países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – consideradas as maiores economias mundiais –, por exemplo, foi preciso percorrer um longo caminho. A transformação digital da Estônia teve início na década de 1990, quando o país conquistou sua independência integral e deixou de ser dominado pela União Soviética. Nessa época, com a ascensão da internet, os estonianos encontraram na tecnologia uma oportunidade de fazer o que nenhuma outra nação que se adaptava ao mundo digital fez: criar um governo menos burocrático e mais colaborativo, pautado pela digitalização. O governo digital na prática Para construir uma democracia inteiramente digital, ou algo muito próximo disso, foi necessário somar esforços para criar alinhamento entre políticos, juristas e especialistas em segurança da tecnologia. Com isso, a Estônia elaborou um processo que se sustenta, basicamente, sobre três pilares: o registro nacional, que armazena dados de cadastro da população pelo governo; o cartão de identidade digital, que traz informações no âmbito jurídico, as quais garantem identificação e assinatura digital; e o desenho de leis baseadas na tecnologia a fim de sustentar esse ecossistema. Atualmente, estima-se que dos 1,3 milhão de habitantes, 98,2% possuem uma espécie de RG digital, em forma de Smartcard, que oferece à população acesso a mais de 500 serviços governamentais gratuitos. Para utilizar, basta o cidadão validar a operação com um PIN, de forma semelhante ao que ocorre no Brasil com os cartões de débito e crédito. Além disso, desde 2011, também é possível identificar os cidadãos pelo celular via Simcards especiais, os quais contêm um certificado digital e dois códigos de PIN para identificação. Para utilizar qualquer serviço, portanto, basta ter acesso à internet e um leitor de Smartcard. Caso o cidadão não tenha essa estrutura é possível encontrar locais públicos, como bibliotecas, que disponibilizam computadores e leitores com internet segura gratuitamente. O país ainda oferece cem por cento de cobertura de Wi-fi. Todas as informações contidas na identificação digital dos cidadãos não podem, no entanto, ser armazenadas em mais de um local, conforme definido em lei. Isso significa que dados como nome, data de nascimento, endereço, informações bancárias, entre outras, devem estar cadastradas em uma única base de dados. Dessa forma, para gerir essa estrutura, a Estônia desenvolveu uma rede chamada X-Road, que permite o compartilhamento de informações entre diferentes sistemas de maneira segura – e é dado ao cidadão, ainda, o benefício de determinar quais informações estarão disponíveis e quem terá acesso a elas. O compartilhamento de informações por meio desta rede facilita a utilização de serviços interligados. Se uma pessoa consulta um médico, por exemplo, e recebe uma prescrição, as informações poderão ser acessadas por um farmacêutico. Com isso, a Estônia vem fortalecendo a digitalização do governo de maneira segura e possibilitando que a sociedade desfrute de serviços de forma rápida e eficiente. Para se ter ideia do todo, há apenas três situações que exigem a presença física de um cidadão em uma instituição governamental: casamento, divórcio e transferência de titularidade de imóvel. No mais, todo o funcionamento do país é digital. Eleição pela internet Na vanguarda do governo digital, a Estônia se tornou o primeiro país a realizar eleições também pela internet. Para votar, basta o eleitor utilizar seu registro digital em um leitor de Smartcard, autenticar sua identificação e escolher um candidato – o voto é então criptografado, de modo que seja possível saber quem votou, mas não em quem. O período de duração das eleições online é de sete dias e o eleitor pode votar quantas vezes quiser, no entanto, somente o seu último voto será computado. Essa opção foi desenhada para aumentar a segurança e evitar a compra de votos, bem como coibir o voto forçado. Se, de alguma forma, uma pessoa forçar outra a votar em determinado candidato será possível corrigir o voto posteriormente. O eleitor tem, ainda, a opção de votar normalmente de forma presencial. Caso o cidadão já tenha participado da eleição via internet e decidido também participar do processo fora do sistema online, o voto digital será descartado. A importância da segurança nos processos digitais Conquistar a confiança da população no processo de transformação digital não é uma tarefa fácil. Por isso, o primeiro passo do governo estoniano foi construir uma estrutura open source (código aberto, em tradução livre). Isso significa que a rede de compartilhamento não possui um proprietário e funciona de forma descentralizada. Caso uma companhia crie um novo serviço voltado à sociedade e queira compartilhá-lo, ela pode simplesmente acoplá-lo à estrutura. E isso é tudo. Mas, durante o processo de adaptação e implementação da digitalização, o governo enfrentou alguns percalços. Em 2007, o país precisou lidar com uma série de ataques cibernéticos que derrubou alguns dos serviços governamentais. Apesar da evidente preocupação da população diante do ocorrido, o princípio de transparência adotado pelo governo para lidar com a situação – informando à sociedade sobre os problemas de segurança e fomentando o diálogo acerca das medidas que seriam tomadas – reestabeleceu a confiança da população. Para se proteger, o governo estoniano construiu em Tallinn, capital do país, um centro cooperativo de cyber segurança, reconhecido, atualmente, como um mais poderosos think tanks de segurança tecnológica. Além disso, todo o acesso às identificações digitais precisa de autenticação em duas etapas e foram criadas leis mais rígidas sobre a proteção dos dados, assim como a instituição de auditorias independentes que ocorrem regularmente para assegurar a segurança e, consequentemente, manter a confiança da sociedade no sistema. A digitalização no Brasil Mudar o modelo de governo, tornando-o digital, traz inúmeros benefícios para a sociedade, mas não é só isso. Há impactos significativos para a economia também. Com a digitalização de seus serviços, a Estônia conseguiu poupar cerca de 2% do PIB por ano. Em 2018, o resultado foi de US$ 26 bilhões, de acordo com dados do Banco Mundial. Mas no Brasil o cenário é completamente diferente. Um relatório desenvolvido pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2018, mostra o Brasil na 44ª posição, entre 193 países, em um ranking que avalia o índice geral de desenvolvimento de governo eletrônico. Se na Estônia é preciso de apenas 15 minutos para abrir uma empresa, o brasileiro precisa de mais paciência para enfrentar cerca de 80 dias de burocracia para ter o seu novo negócio. Além da dificuldade imposta à sociedade, o Brasil também perde economicamente – tendo como base o PIB de 2018, o país poderia poupar R$ 136 bilhões ao digitalizar o governo. Para o Brasil a digitalização pode ser um processo mais oneroso. Há variáveis em relação a Estônia, como a quantidade de habitantes – os estonianos representam, em média, apenas a população de Porto Alegre –, os diferentes serviços prestados pelo governo, o acesso à internet – dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2018, pouco mais de 60% da população tem internet –, e a própria cultura; a Estônia nasceu digital. Apesar das diversidades, recentemente, o país anunciou que pretende investir em tecnologia para tornar o governo digital. Até o fim deste ano, o governo federal pretende digitalizar mil serviços públicos prestados pelo Executivo Federal. O desafio brasileiro, no entanto, é gigantesco. Atualmente, o Brasil possui, ao menos, 20 bases federais que armazenam dados de documentos, como CPF, RG, passaporte e cartão do SUS. Um cadastro associado ao INSS em breve terá 51 bases replicadas. Ao considerar os 22 ministérios, institutos e universidades públicas, o número de bases pode ultrapassar 500, segundo estimativa baseada no Sisp, sistema federal de tecnologia de informação. Com isso, o governo pode ter acesso à vida econômica dos cidadãos, as relações empresariais e estudantis, parentescos e até mesmo informações sensíveis como raça. Com isso, o governo pretende desenvolver estratégias para digitalizar e unificar os serviços ao cidadão. Dessa forma, não seria mais necessário à população atualizar seus dados, como uma mudança de endereço, em uma série de órgãos, mas em apenas um. Tendo esse modelo em vista, o governo busca reduzir filas e custos, prestando um melhor serviço à sociedade, além de minimizar fraudes. O Ministério da Economia tem previstos investimentos na casa de R$ 2 milhões para a interoperabilidade de bases, incluindo a implantação do cadastro base, APIs e blockchain. No entanto, algumas medidas ainda encontram resistência no Congresso e na comunidade acadêmica. Pesquisadores têm apontado para a possibilidade de casos de mau uso para a segurança pública, discriminação e vigilância. Além disso, outro ponto crucial aparece no centro das discussões: a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). É preciso tratar os dados dos cidadãos com cuidado e criar mecanismos, alternativas e políticas públicas que possam estar em conformidade com a lei. Um problema já inicial é que o plano não prevê um canal de transparência para que a população tenha conhecimento sobre o uso de seus dados por diferentes órgãos. Fato é que embora o Brasil esteja começando a dar alguns passos rumo à transformação digital do governo, ainda há muitas lacunas que precisam ser preenchidas para que o país possa experienciar um modelo de governança menos burocrático e mais seguro e amigável para a sociedade.

  • O Sistema Único de Saúde: federalismo em ação

    Orientada pela promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual define que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, e, posteriormente, com a aprovação da Lei 8.880/90, conhecida como Lei Orgânica da Saúde, pelo Congresso Nacional, em 1990, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) pode ser compreendida como um dos principais marcos da história do Brasil – em um modelo que transformou o sistema brasileiro de saúde. Antes de sua regulamentação, o sistema público de saúde oferecia assistência apenas aos cidadãos que tinham carteira assinada e contribuíam para a Previdência. Para a maior parte da população restava, portanto, participar de programas específicos do Ministério da Saúde, bem como das secretarias estaduais ou municipais, como nos casos de campanhas de vacinação. A outra opção era pagar por um plano de saúde privado ou buscar por atendimento em instituições filantrópicas. Dessa forma, inspirado pelo modelo britânico NHS (National Health Service, da sigla em inglês) – implantado no Reino Unido após o fim da Segunda Guerra Mundial e reconhecido como pioneiro na prestação de cobertura integral gratuita à sociedade –, o SUS foi desenvolvido com base nos princípios de universalidade e igualdade, sob a diretriz da integralidade, a fim de reforçar o direito da população à saúde. Para gerir essa estrutura, o SUS conta com a participação dos três âmbitos do Estado federativo brasileiro: União, estados e municípios – sendo concebido como uma rede regionalizada e hierarquizada. Isso significa que a oferta dos serviços é garantida pelo reconhecimento da interdependência entre municípios e níveis de governo, ou seja, a União e os estados compartilham com os municípios as responsabilidades de assegurar o direito constitucional do acesso à saúde no país. A Constituição confere aos entes da Federação autonomia político-administrativa, mas estabelece, ao mesmo tempo, a necessidade de atuação conjunta e coordenada para a implementação da política de saúde. Nesse sentido, há um grande desafio de coordenação dos esforços na Federação – especialmente pela singularidade da extensão e grau de autonomia do modelo federativo brasileiro. Composta pela União, 26 estados, o Distrito Federal e por 5.568 municípios, recai sobre os três níveis de governo a exigência de expressivo empenho no gerenciamento de suas ações concomitantes na implementação e funcionamento do sistema de saúde. Isso porque, embora existam diretrizes de descentralização, os entes federativos devem atuar de forma complementar, não sendo absolutamente autônomos para decidir políticas de saúde em seu território – considerando que, se possível fosse, o Brasil teria 5.569 sistemas de saúde (total de entes federativos) em vez de um único modelo. O sistema integrado, portanto, permite à Federação compartilhar princípios e diretrizes que sejam capazes de orientar a prestação de serviços públicos de saúde a toda a população brasileira. Os princípios e o funcionamento do SUS Construído em cima de um modelo federativo, o sistema do SUS atua de forma padronizada, ou seja, seus objetivos e funcionamento devem estar de acordo com um modelo nacional de saúde pública, sendo comuns em todo o país. Além dos princípios doutrinários do SUS, como garantir o acesso à toda a sociedade, a busca pela redução de desigualdades no atendimento e a integração entre políticas públicas, e dos princípios organizacionais, como a descentralização e distribuição de poderes e responsabilidades entre os entes federativos, o SUS também foi desenvolvido com uma hierarquização de seus serviços. A classificação desta hierarquia é definida pela complexidade do caso e é dividida em quatro níveis, sendo a atenção básica, que abarca atendimentos e ações de prevenção e recuperação do estado de saúde, contemplando vacinas, consultas, entre outros; atenção secundária, momento em que já houve identificação de uma doença e é necessário acompanhamento especializado; atenção terciária, que funciona para pacientes com casos mais graves e precisam de internações; e reabilitação, que engloba um período de alta do paciente, mas ainda requer algum tipo de retorno médico. A partir disso, o sistema definiu a criação de diferentes unidades para atendimento, sendo as principais os Postos de Saúde, Unidades Básicas de Saúde (UBS), Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) e os hospitais. Além disso, o Sistema Único de Saúde também atua com procedimentos laboratoriais, institutos de pesquisas e serviços de distribuição de medicamentos gratuitos por meio do programa Farmácia Popular. Outros atendimentos, como o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), representam um grande avanço na criação de políticas públicas voltadas à saúde. Dessa forma, a integração dos serviços de saúde no Brasil, por meio do SUS, permite que qualquer cidadão brasileiro tenha direito à saúde e não apenas no tratamento de doenças, uma vez que, ao prezar pela qualidade de vida, o sistema atua em conjunto com demais políticas públicas que promovam a redução da desigualdade regional e o desenvolvimento econômico. Os desafios do SUS e a saúde pública no mundo A Lei Orgânica da Saúde foi responsável por detalhar o funcionamento do SUS e por defender a ação conjunta entre os entes federativos, de modo que a saúde seja considerada um direito fundamental do cidadão e garantida de forma igualitária e universal por meio de políticas públicas. Atualmente, estima-se que 75% dos brasileiros dependem exclusivamente do SUS, enquanto o restante da população utiliza a saúde privada – no entanto, o cidadão que opta pelo plano privado ainda tem direito ao sistema de saúde público. Embora o número de dependentes do SUS seja alto e tenha conquistado inúmeros avanços desde a criação, seus serviços ainda não são capazes de atender a população com a qualidade e eficiência desejadas. Uma das razões para isso é o fato de o sistema ser subfinanciado e ter tido, ao longo dos anos, cada vez menos recursos alocados. Outros agravantes, como a Proposta de Emenda à Constituição 214/16, que limita os gastos públicos para a saúde ao valor do ano anterior, corrigido pela inflação, impedem a evolução do sistema. As falhas na gestão como um todo, incluindo questões relativas à corrupção, contribuem para a precariedade do SUS, fazendo com que pacientes esperem por horas para serem atendidos, encontrem hospitais sem leitos suficientes e enfrentem grandes filas para consultas e tratamentos. Segundo dados do Banco Mundial de 2017, a despesa pública com saúde no Brasil representa 48,2% contra uma média de 73,4% dos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Comparado a países com condições econômicas semelhantes, o Brasil está acima da média entre países do BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul). Apesar disso, o sistema brasileiro ainda é considerado referência em termos de gratuidade e variedade dos serviços quando comparado com outros países no mundo – sendo o único país com mais de 200 milhões de habitantes a ter um sistema de saúde com atendimento integral para toda a sociedade. Nos Estados Unidos, por exemplo, não há um sistema universal de saúde e é preciso pagar para ser atendido ou para conseguir medicamentos. Nos hospitais, o cidadão não recebe atendimento se não tiver plano de saúde privado. O governo americano subsidia planos de saúde para alguns grupos específicos, como é o caso de idosos e pessoas de baixa renda, mas, mesmo para estes grupos, o atendimento e remédios não são gratuitos. A China segue um modelo parecido: não há gratuidade no sistema público de saúde. O seguro público é financiado por empregados, empregadores e pelo governo e, além de ajudar a financiar, os cidadãos precisam pagar taxas pelos atendimentos e medicações. Já quanto aos países que possuem um sistema de saúde público e universal, como Reino Unido, Dinamarca, Suécia, Canadá, Portugal, Espanha e Cuba, nenhum possui população acima de 100 milhões. Dessa forma, embora o Brasil ainda enfrente dificuldades quanto a gestão do Sistema Único de Saúde – que traz à tona a desigualdade social e a pobreza e, com isso, fomente a necessidade de políticas públicas que possam beneficiar todas as camadas da sociedade – é inegável que o modelo brasileiro ainda é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo.

  • Os limites constitucionais das competências dos entes federativos

    A promulgação da Constituição Federal no Brasil, em 1988, marca o início de um regime democrático e o nascimento de um novo Estado, constituído por um novo modelo de federalismo – resultado de um processo de desassociação de um Estado unitário. Dessa forma, conforme estabelecido pela Carta Magna, a República Federativa do Brasil passa a ser definida como um Estado Federal, composto pela união indissolúvel dos três entes federativos: União, estados e municípios. Caracterizado pela organização político-administrativa, o modelo adotado pelo Brasil tem como objetivo a descentralização do poder e, por isso, confere autonomia aos entes federados, permitindo a autoadministração, auto legislação e auto-organização, e estabelecendo, ainda, uma divisão de competências entre eles, ou seja, parcelas de poder para que possam exercer suas atividades, que podem ser exclusivas, privativas e concorrentes. A repartição destas competências pode ser compreendida à União tudo o que diz respeito ao país no âmbito nacional e aos estados e municípios os interesses predominantemente locais. Isso significa, conforme determinação da Constituição Federal quanto a organização do Estado, que cabe à União atuar sobre a defesa nacional, elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social, organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público do Distrito Federal e dos territórios e a defensoria pública dos territórios, conceder anistia, emitir moeda e instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos, entre outros. Aos estados cabe explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de interesse da população, sempre respeitando os limites constitucionais. Como exemplo, cabe ao estado a instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, mediante lei complementar. Já aos municípios, a Constituição reserva o direito de legislar sobre assuntos de interesse local, instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei, promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual, entre outros. E embora os entes federativos possuam autonomia e uma divisão clara de suas atuações, existem competências comuns, que devem ser asseguradas em cada uma das esferas, como a execução da Constituição e das leis estabelecidas, a promoção da saúde, preservação do meio ambiente e erradicação da pobreza, por exemplo, de acordo com o artigo 23 da Constituição. Os modelos de repartição de competências As competências dos entes federativos são organizadas, ainda, sob dois modelos principais: repartição horizontal e vertical. Os modelos estão associados aos limites de atuação de cada ente federativo. Isso porque embora a Constituição forneça autonomia aos entes federados, existem limitações para a execução de suas atividades. O poder conferido à União não pode invadir a esfera de competência dos Estados, por exemplo. É nesse sentido que se constitui a repartição horizontal, uma vez que tem como função atribuir parcelas exatas de competências, exclusivas a cada um dos entes federados. Já o modelo vertical determina a competência concorrente, que estabelece as capacidades políticas legislativas entre os entes federados. Isso permite que cada um possa legislar sobre os mesmos temas nas esferas em que atuam, ou seja, federal (União), regional (estados) e local (municípios). Dessa forma, a repartição vertical é aplicada quando há atuação concorrente entre os entes federativos. No campo legislativo, foram definidos domínios de legislação concorrente, que ocorrem com o estabelecimento de regras gerais pela União que devem ser complementadas pelos estados e municípios.

  • Telemedicina: como ela pode ser benéfica para a sociedade

    A pandemia ocasionada pelo COVID-19 impeliu às nações o desafio de combater as crises sanitária e econômica que vêm se alastrando pelo mundo. Diante de um cenário de calamidade pública, com alto volume de diagnósticos e de mortes causadas pelo novo coronavírus, o sistema de saúde global se vê à beira de um colapso. No Brasil, para atuar no enfrentamento da crise, os governos têm adotado medidas preventivas, como o isolamento social – a fim de evitar a explosão de casos e a superlotação de hospitais –, o fechamento de estabelecimentos e a suspensão de eventos com grande aglomeração, bem como a criação de legislações, que possam assegurar, minimamente, o bem-estar econômico e social do país. Experimentando uma crise sem precedentes, as circunstâncias elevaram as discussões a outro patamar e trouxeram novas perspectivas para o funcionamento da sociedade como um todo. Na área da saúde, a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) tem estado no centro dos debates, assim como a implementação de medidas alternativas para garantir o direito à cuidados médicos, como é o caso da telemedicina. O Conselho Federal de Medicina (CFM) reconheceu o atendimento médico à distância em resolução publicada em 2019. Mais recentemente, o combate à COVID-19 levou à aprovação do Projeto de Lei 969/2020 que amplia bastante as possibilidades da prática de telemedicina no Brasil, enquanto durar a situação emergencial causada pela pandemia. Embora esta modalidade tenha ganhado espaço recentemente, a telemedicina tem origem muito antes da epidemia do coronavírus. Associada à evolução das telecomunicações, sua prática acontece desde a invenção do telégrafo e vem se aprimorando com o passar do tempo e a evolução dos recursos tecnológicos. As frentes da telemedicina No Brasil, o modelo de atendimento médico à distância surgiu na década de 1990 com a expansão da internet, porém a modalidade foi regulamentada em casos de assistência, educação e pesquisa. Tendo a tecnologia como importante aliada atualmente, a telemedicina pode ser compreendida como um método de suporte de diagnóstico de forma remota, que permite a interpretação de exames e a emissão de laudos médicos. Com apoio da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) funciona por meio da combinação de equipamentos digitais, softwares, uso de internet e a participação de especialistas qualificados. Subdividida por áreas, a telemedicina contempla a teleorientação, que possibilita que médicos possam fornecer orientações e o encaminhamento de pacientes à distância, telemonitoramento, que, com a supervisão médica, permite que sejam monitorados os parâmetros de saúde e/ou doença e a teleinterconsulta, que consiste na troca de informações e opiniões exclusivamente entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico. Além disso, a telemedicina tem como um de seus principais pontos a emissão de laudos online. Exames como eletrocardiograma, eletroencefalograma, raio-x, entre outros, podem ser operados por uma equipe técnica. O resultado dos exames é enviado pela internet às equipes médicas e pode ser conferido no mesmo dia pelos profissionais de saúde. Um exemplo de como essa tecnologia funciona pode ser visto na realização de um procedimento como o eletrocardiograma. Realizado por técnicos de enfermagem ou radiologistas, o exame é feito por meio de softwares específicos com o uso de aparelhos capazes de gerar imagens digitais que tenham conexão direta ou indireta com um computador. Após a realização do exame, um especialista acessa a plataforma, por meio de login e senha e visualiza todos os dados. É possível ao médico aproximar, afastar, aumentar ou diminuir o contraste e analisar as estruturas anatômicas por ângulos diferentes. Uma vez que os dados sejam interpretados, o profissional produzirá um laudo com suas conclusões e o assinará digitalmente. O documento emitido é registrado na plataforma e poderá ser acessado pelos funcionários que realizaram o procedimento e até mesmo pelos pacientes, a partir de uso de login e senha também. A plataforma conta com armazenamento em nuvem e mantém salvos os dados dos exames realizados, laudos e informações clínicas dos pacientes. A nova legislação sobre a telemedicina O Senado Federal aprovou o PL 696/20, da Câmara dos Deputados, que prevê amplo uso da telemedicina em caráter emergencial durante a crise do coronavírus. Após o fim da pandemia, o CFM voltará a ser responsável por regular a prática. A medida tem como objetivo diminuir a superlotação dos hospitais e centros de saúde. O texto seguiu para sanção presidencial. De acordo com o texto, de autoria inicial da Dep. Adriana Ventura (Novo-SP), o uso da telemedicina está autorizado para todas as especialidades e quaisquer atividades da área de saúde. Isso significa que além de médicos, outros profissionais como psicólogos também poderão fazer o atendimento à distância. A interação, ainda de acordo com o texto, contempla atendimento pré-clínico, suporte assistencial, consulta, monitoramento e diagnóstico. Em relação à prescrição de medicamentos e atestados, os médicos poderão ainda usar o mecanismo de assinatura eletrônica para emiti-los digitalmente. Na prática, a nova norma pode ter um grande efeito positivo em diminuir a sobrecarga tanto no SUS quanto na rede privada. Os atendimentos deverão ser registrados em prontuário clínico, contendo data, horário, tecnologia e tipo de comunicação utilizada, além do número de registro do conselho regional profissional do médico responsável pelo atendimento. Toda a estrutura desenvolvida para viabilizar o atendimento à distância pode trazer inúmeras vantagens para o sistema de saúde no futuro. Com a facilidade e praticidade proporcionadas pela tecnologia pode haver aumento de produtividade por parte da equipe médica e especializada, redução de custos em relação aos documentos físicos e diminuição de deslocamentos feitos por pacientes a hospitais, clínicas e postos de saúde, bem como a redução de tempo de espera por atendimento, por exemplo.

  • Legislativo se adapta à crise: o Sistema de Deliberação Remota

    A pandemia do COVID-19 trouxe inúmeros impactos para as sociedades globais. Do isolamento social às crises econômica e sanitária, o novo coronavírus mudou a maneira como o mundo funciona. Desde o início da epidemia, os modelos de trabalho, sob o sistema de home office, têm sido debatidos em toda a esfera social. As alterações no desempenho dos ofícios, no entanto, se estendem para além da atuação do cidadão comum, alcançando também, pela primeira vez na história, o parlamento brasileiro. Com o objetivo de mitigar a presença dos parlamentares em plenário e nas comissões, como forma de evitar aglomerações, com vistas a combater o contágio com o coronavírus – sem, com isso, comprometer a continuidade do funcionamento do Congresso Nacional –, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e a Mesa do Congresso Nacional editaram normas para validar e viabilizar a atuação remota dos parlamentares durante a fase de quarentena com a implementação do Sistema de Deliberação Remota (SDR). Conforme definido no Ato da Comissão Diretora Nº 7/2020, o  Sistema de Deliberação Remota (SDR) pode ser compreendido como uma “solução tecnológica que viabilize a discussão e votação de matérias, a ser usado exclusivamente em situações de guerra, convulsão social, calamidade pública, pandemia, emergência epidemiológica, colapso do sistema de transportes ou situações de força maior que impeçam ou inviabilizem a reunião presencial dos Senadores no edifício do Congresso Nacional ou em outro local físico”. Quanto ao aspecto de confiabilidade e segurança do SDR, iniciada a votação, os Senadores devem acessar o sistema com seu código de identificação de três dígitos e senha pessoal, recebendo na sequência, um código alfanumérico de uso único para a participação da votação específica. No momento em que for registrado o voto, o dispositivo realiza a captura da imagem do parlamentar pela câmera frontal do aplicativo, sendo a imagem enviada ao SDR para conferência em eventual auditoria. Após a votação, o Senador recebe, para conferência, em dispositivo previamente cadastrado, mensagem confirmando o voto que proferiu à matéria. Por sua vez, a Câmara dos Deputados, por meio da Resolução Nº 14/2020, que instituiu o SDR, utiliza o sistema de teleconferência para viabilizar o debate entre os parlamentares, com o aproveitamento do aplicativo Infoleg, desenvolvido na própria Casa. Neste aplicativo para dispositivos móveis é registrada a presença nas sessões plenárias e assinalados os votos dos Deputados, podendo estes registrar os votos sim, não ou abstenção. Para dar legitimidade às deliberações, o Infoleg registra tanto o quórum mínimo para a abertura da sessão, quanto o quórum para votação, em consonância com que estabelece o artigo 47 do texto constitucional. Em relação à implementação do sistema remoto, Miguel Gerônimo Nobrega Netto, chefe da Assessoria Técnica, Diretor-substituto da Diretoria Legislativa e professor de Processo Legislativo da FGV e do Cefor, afirma que “por um lado, não resta dúvida que, pelo menos em tese, não haveria outro meio de manter o Poder Legislativo em atividade, nesse momento de isolamento social, senão com a utilização da tecnologia da informação, por meio de instrumentos como o sistema de videoconferências e o de deliberação remota”. Para ele, à primeira vista, as implicações sobre a utilização do SDR são muito positivas, pois as demandas e necessidades da sociedade, nesse momento de emergência da saúde pública, dependem do pleno funcionamento do Poder Legislativo – uma vez que se faz necessário legislar sobre matérias urgentes em favor especialmente dos segmentos mais carentes da sociedade, o que envolve temas referentes a problemas de saúde pública, de economia e das finanças nacionais. Por outro lado, Netto expressa certa preocupação com a forma como algumas deliberações têm sido viabilizadas, atentando à celeridade da solução dos problemas ocasionados pela pandemia do coronavírus. “É de considerar e refletir que, em condições normais, as propostas de emenda à Constituição percorrem um longo caminho, tanto na Câmara, quanto no Senado, o que dá a oportunidade para que a matéria seja muito bem discutida, inclusive por segmentos organizados da sociedade, incluindo quem exerce a atividade de relação institucional e governamental”, explica. Ainda sobre a velocidade de atuação nas Casas legislativas, vale destacar que o Congresso aprovou um novo rito para simplificar a tramitação das MPs durante a pandemia, reduzindo de 120 para 16 dias o prazo de validade das matérias – sendo nove dias para a Câmara dos Deputados, cinco dias para o Senado Federal e mais dois dias, se for o caso, para que a Câmara analise as eventuais alterações da Casa revisora –, com a dispensa da apreciação por comissões mistas. Vale ressaltar, contudo, que as MPs que não observarem o novo prazo de tramitação durante a vigência da Emergência em Saúde Pública e do estado de calamidade pública decorrente da Covid-19 não perdem a validade. “Nesse contexto, espera-se que o Congresso Nacional corresponda decisivamente e com devida celeridade aos anseios da sociedade, aprovando, modificando ou mesmo rejeitando MPs, conforme sejam benéficas ou não para o atual momento sanitário e econômico que o país enfrenta”, afirma Netto. A rapidez que as Casas Legislativas têm dado aos processos e a quantidade de normas e medidas adotadas durante este período traz uma nova questão: a definição de prioridade de projetos para a tomada de decisão do Executivo. De acordo com Netto, tem sido viabilizada uma pauta propositiva para matérias que realmente mereçam celeridade para a aprovação, sem a qual segmentos realmente carentes sucumbam por falta de apoio sanitário, financeiro e econômico. “Se faz necessário que haja uma harmonia de agendas entre os Poderes Executivo e Legislativo, e que o chefe de Governo se alinhe aos interesses do País, ao adotar medidas de proteção ao contágio do vírus. De toda forma, o Congresso Nacional tem cumprido o seu papel de não paralisar a atividade legislativa, ao viabilizar, mesmo a distância, a discussão e a deliberação dos temas imprescindíveis para a superação do atual momento”. Os setores público e privado no enfrentamento da crise Questionado sobre como os setores público e privado podem trabalhar em parceria para agilizar o trabalho do Poder Público na mitigação dos impactos da crise, Netto afirma que é providencial o estabelecimento de um pacto nacional para diminuir em médio prazo as perdas de diversos segmentos da sociedade. Para ele, as entidades representativas patronais e de empregados, com a intermediação do Governo, do Congresso Nacional, Poder Judiciário e Ministério Público, precisam encontrar meios para pelo menos amenizar os profundos efeitos de ordem social e econômica verificadas com o aumento do desemprego e queda da produção, o que, necessariamente, refletirá no aprofundamento das desigualdades sociais, aumentando o contingente de brasileiros abaixo da linha de pobreza e o achatamento da classe média. “Esse entendimento não pode tardar, a despeito da verificação de um colapso em nível financeiro e econômico, com sérias consequências no âmbito político, com enfraquecimento das instituições públicas e privadas”, explica. “Assim, um amplo Fórum de debates, organizado pelas autoridades públicas e privadas, precisa ser estabelecido, para que as lideranças, cada um com suas experiências e contribuições, consigam viabilizar, em tempo adequado, a recuperação do país e o retorno à normalidade econômica e social”, completa. O legislativo no pós-crise No momento de pandemia experimentado pelo Brasil, o SDR surge como um importante instrumento para dar continuidade às votações, debates e ao funcionamento do parlamento como um todo. De acordo com Netto, no processo democrático é essencial o seguimento ininterrupta dos trabalhos legislativos seja qual for a situação de anormalidade. “No modelo político-jurídico adotado pelo Brasil, a lei é o instrumento mais forte para o exercício da cidadania. Sendo assim, não se pode conceber a paralisação do Congresso Nacional ou de qualquer outra Casa legislativa subnacional”. A alternativa oferecida pelo sistema remoto para o funcionamento das Casas, no entanto, não deve se tornar uma realidade após o fim da pandemia. Evidentemente, na opinião de Netto, o atual cenário marcou o processo de deliberação das matérias por meio do  Sistema de Deliberação Remota (SDR) – que deve ser aprimorado para que determinadas discussões e debates possam sim ser realizados a distância, trazendo celeridade e economia processual –, mas jamais deve substituir a reunião física/presencial de parlamentares. “Existe uma simbologia muito importante no âmbito dos trabalhos do Poder Legislativo: o olho no olho. Trata-se da proximidade física entre representante e representado. O processo decisório requer encontros e articulações presenciais, os quais muitas vezes somente é possível com o contato frente a frente”, declara Netto.

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