O que mudou nas políticas de compliance das empresas no Brasil após a operação Lava Jato
Os diversos casos de corrupção no Brasil, tanto por parte dos órgãos públicos como das empresas, aliados à pressão popular, culminaram em diversas tentativas de frear práticas ilegais no país. Um exemplo disso foi a criação da Lei 12.864/13, conhecida como Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa – um marco para o amadurecimento do compliance no cenário jurídico brasileiro.
Inspirado em programas internacionais, o compliance no Brasil surgiu como uma gestão de riscos para o sistema financeiro e, posteriormente, evoluiu, envolvendo setores da economia para estar de acordo com a Lei Sarbanes Oxley (SOX), dos Estados Unidos, que determinava que empresas com ações negociadas na bolsa de valores americana aderissem a uma série de regras para aumentar a confiabilidade de seus registros em função dos escândalos de corrupção presentes nos Estados Unidos e na Europa. Entre as exigências da SOX para as empresas estava a adoção de um código ético de conduta.
Dessa forma, iniciou-se um movimento de empresas implementando programas de compliance com base em leis internacionais anticorrupção. Segundo Maria Virgínia Mesquita Nasser, advogada em São Paulo e Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), o compliance virou uma indústria muito lucrativa. No entanto, o que também se viu, foi o desenvolvimento de um compliance “cosmético”, ou seja, de modo superficial. “Os programas de compliance foram instituídos, mas os incentivos à corrupção permaneceram”, afirmou.
O compliance após a Operação Lava Jato
Conhecida como a maior iniciativa de combate a corrupção e lavagem de dinheiro no país, a Operação Lava Jato teve início em 2014 e tem como estimativa o desvio de recursos dos cofres públicos na casa de bilhões de reais. Dado o alcance das investigações e a repercussão sem precedentes, a Lava a Jato foi um importante marco regulatório para as empresas.
De acordo com Nasser, que também é autora do livro Lava a Jato: O Interesse Público Entre Punitivismo e Desgovernança, com a Operação, a indústria do compliance sofreu um boom. Uma pesquisa realizada pela Câmara Americana de Comércio (Amcham), revela que 59% das empresas brasileiras investiram em políticas de compliance após a Lava a Jato. Destes, 44% afirmaram que o foco das companhias para evitar fraudes tem sido investir em um processo mais elaborado de monitoramento de parceiros e fornecedores, além de garantir que as equipes atuem de acordo com regulamentos internos e externos.
As políticas de compliance ganharam tanta relevância no cenário empresarial que 82% das empresas fornecem total autonomia para a execução de tarefas e disponibilização de recursos da área e 45% das companhias estão criando um setor exclusivo para o compliance. Nasser explica que o fato de o assunto ser tratado com mais seriedade após a Lava Jato se deve, sobretudo, às empresas sujeitas a programas de leniência. “Estas empresas passam a ter interesse em que todas as companhias estejam sujeitas aos mesmos requisitos de integridade para que não percam a competitividade. Resta saber, porém, quando o poder público colocará o compliance “para dentro”, não apenas sujeitando os servidores a programas deste tipo, mas eliminando os incentivos a práticas de corrupção e melhorando a governança estatal como um todo”, diz.
Um dos maiores desafios do compliance reside justamente no monitoramento efetivo das ações de executivos de alto escalão. Para Nasser, é fundamental, antes de mais nada, que exista um sistema que pare de embutir ilegalidade. Segundo a advogada, o Estado não pode dar calote em entes privados que lhe forneçam bens ou serviços e o sistema de arrecadação tributária precisa funcionar de maneira mais eficiente. Da mesma forma, os critérios para ter acesso ao crédito público precisam ser claros e a concessão deste crédito precisa ser transparente e seguir procedimentos.
“Precisamos parar urgentemente com essa estória de acreditar que a atuação dos agentes de mercado é condicionada apenas pela combinação entre o peso da pena e a probabilidade de detecção dos ilícitos, embora esses fatores sejam importantes. É preciso trabalhar sobre outros fatores estruturais que levam ao comportamento corrupto, e aí está uma enorme lição de casa do poder público; que não se combate com punitivismo”, afirma. Mais do que isso, é necessário utilizar os institutos de justiça negociada e a delação premiada, porém, ambos precisam ser aperfeiçoados. “É urgente a implementação de um guichê único para a leniência da empresa e a consolidação de uma jurisprudência que proteja isso. Não vale fazer leniência com um órgão e amanhã receber um processo milionário de outro”, completa.
A interface entre o lobby e o compliance no Brasil
Para que as empresas negociem junto aos governos de maneira legítima e transparente, é preciso haver caminhos legais e regulamentados para o lobby. De acordo com Nasser, é preciso haver padrões de atuação dos profissionais de relações governamentais para que essa indústria se desenvolva com segurança, com os agentes tendo chances iguais de competição e de representação dos seus clientes.
Na avaliação de Nasser, o papel do compliance para as atividades de RIG é de extrema importância e se relaciona diretamente com a obtenção de maior transparência por parte do poder público, permitindo que esta interface ocorra de forma auditável e com base em dados – o que concede maior autonomia ao profissional de relações institucionais e governamentais. “Se criarmos um padrão de atuação nas relações institucionais que seja internalizado por todas as empresas, via compliance, as atividades de relações institucionais vão ganhar legitimidade e acontecerão à luz do dia, com escrutínio da sociedade, como deve ser”, afirma. Além disso, segundo Nasser, o compliance bem implementado em cada empresa pode fazer com que todas as demandas de negociação junto a governos sejam canalizadas para quem faz isso de maneira aberta e transparente, evitando os acordos escusos.
Questionada sobre a relação estabelecida sobre punitivismo e preservação de empresas em sua obra, Nasser afirma que o verdadeiro equilíbrio se dá entre a preservação das empresas e a aplicação de uma política sancionatória coerente. “Punitivismo não se equilibra com nada. Punitivismo é o resultado dessa cruzada moralista que estamos atravessando, em que a empresa ou a pessoa considerada corrupta passa a não ter direito a nada, nem à defesa. É uma crença de que esmagando os ditos corruptos vamos expurgar todo o mal do Brasil. E é uma tragédia, seja do ponto de vista humano, social ou econômico”, explica. “Precisamos desenvolver um sistema de aplicação de penas proporcionais, que preservem as boas empresas (claro, uma empresa que serve apenas para lavar dinheiro tem que ser extinta, mas uma empresa que desenvolve técnicas produtivas, gera emprego e movimenta a economia não) e ver onde precisa ser melhorada a governança das relações entre Estado e empresa. Só com penas desproporcionais não resolvemos nossos problemas”, completa.
Com a Lava Jato, o Brasil conquistou a fama de campeão em corrupção. De acordo com o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), que reúne resultados de 180 países e aponta o nível percebido de corrupção no setor público numa escala de 0 a 100 – na qual 0 representa um país altamente corrupto, o Brasil ocupa a 105ª posição (2018), sua pior nota desde 2012, quando ocupava o 96º lugar. “De tanto expor cada prisão que acontecia, destruímos nossas empresas de construção civil, que eram muito relevantes em nossa economia. Isso sem falar na corrupção legalizada, que é a captura do fundo público por interesses corporativistas. Assim, a nossa lição de casa não é punir mais (e só combater aquilo que chamamos de corrupção), é sancionar com coerência e trabalhar numa reforma contínua do Estado e das suas relações com entes privados” conclui Nasser.