No último dia útil de 2023, o governo federal editou a Medida Provisória (MP) 1.202/23, mais conhecida como a MP sobre a reoneração da folha de pagamento, que trouxe consigo mudanças significativas no cenário econômico, especialmente no que diz respeito à reoneração gradual da folha de pagamento de 17 setores produtivos, a partir de 1º de abril de 2024.
Esta medida, que faz parte das estratégias governamentais para zerar o déficit nas contas públicas, tem gerado intensos debates, reações adversas de diversos setores e coloca em evidência as complexidades da relação entre Executivo e Legislativo.
Visto como um dos maiores desacordos entre o Congresso Nacional e o governo Lula até então, parlamentares da Câmara dos Deputados e Senado argumentam que o texto não deveria ser válido, já que os congressistas já decidiram por desonerar os impostos da folha de pagamento de determinados setores da economia.
Por outro lado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defende que a desoneração da folha de pagamento resultará em um alto custo para os cofres públicos. Além disso, a equipe do Ministério afirma que não existem evidências concretas de que a não cobrança de impostos na folha de pagamento irá contribuir para a criação de novos empregos.
Mas afinal, o que muda com a MP?
Os detalhes da reoneração
A Medida Provisória encerra a Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), estabelecida em 2011, que substituiu os tributos sobre a folha de pagamento das empresas. Com o término da contribuição sobre a receita, os encargos da folha de pagamento retornariam aos patamares anteriores, ou seja, com uma alíquota de 20%.
Essa mudança impacta diretamente os 17 setores beneficiados pela desoneração da folha. O governo, visando não sobrecarregar esses setores, propõe uma reoneração parcial para pagamentos até um salário mínimo. Uma das regras estabelecidas para usufruir de uma tributação menor, impõe às empresas o comprometimento em manter ou aumentar o número de empregados em comparação com o verificado em 1º de janeiro de cada ano.
Um ponto a ser observado é o caso de pagamentos que ultrapassem o salário mínimo, em que a alíquota sobre a folha retorna ao patamar de 20%. Se a cobrança do imposto não for restabelecida, a Fazenda estima um impacto financeiro de R$9,4 bilhões anuais.
Outro aspecto da desoneração retirado pela MP refere-se aos municípios. Pelo Congresso, havia sido decidido que municípios com menos de 156 mil habitantes teriam a alíquota do imposto sobre a folha reduzida de 20% para 8%. Entretanto, segundo a Fazenda, esse benefício deve ser aplicado apenas a municípios legalmente comparáveis a empresas, o que invalida a justificativa para a continuidade dessa redução.
Quem será afetado pela reoneração?
Os 17 setores afetados pela reoneração são:
Confecção e vestuário
Calçados
Construção civil
Call center
Comunicação
Empresas de construção e obras de infraestrutura
Couro
Fabricação de veículos e carroçarias
Máquinas e equipamentos
Proteína animal
Têxtil
Tecnologia da informação
Tecnologia de comunicação
Projeto de circuitos integrados
Transporte metroferroviário de passageiros
Transporte rodoviário coletivo
Transporte rodoviário de cargas
Aprovação, veto e críticas
A desoneração, instituída no final de 2011, com previsão de encerramento em 2023, passou por um processo de prorrogação pelo Congresso, seguido de veto pelo governo federal.
Em 27 de dezembro, os parlamentares reverteram completamente o veto, restaurando a desoneração por meio da Lei 14.784/23. Em resposta a essa decisão, o presidente Lula emitiu a Medida Provisória que revoga a referida lei, dois dias após a deliberação do Congresso.
Em seguida, o Partido Novo recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), alegando que a MP não cumpre o requisito de urgência e viola o princípio da divisão de poderes, pois vai contra a decisão do Congresso.
Os advogados do Partido Novo, na petição inicial, chegaram a caracterizar a ação do presidente da República como uma atitude ditatorial, ao tentar modificar, na mesma semana, a vontade expressa da maioria dos 584 parlamentares sobre a questão.
O segmento produtivo também manifestou sua resistência à MP 1202/23 em um comunicado assinado por organizações como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação Nacional do Transporte (CNT). Na nota, as entidades expressam ter acolhido com surpresa e descontentamento as ações de restituição de impostos.
A objeção das entidades se concentra na estratégia do governo ao promulgar a MP sem uma conversa antecipada com o setor produtivo. Elas argumentam que a reoneração da folha de salários resultará em um crescimento nos gastos de emprego no Brasil e afetará ainda mais a competitividade da indústria e do comércio em comparação às importações.
As entidades também apontam que a MP 1202, do ponto de vista econômico, contradiz as decisões recentes do Congresso Nacional, que, em duas ocasiões em 2023, optou pela manutenção da desoneração da folha de pagamento, inclusive derrubando o veto presidencial, evidenciando claramente uma vontade política contrária à revogação.
Desdobramentos e negociações
Após a decisão do Executivo, parlamentares de oposição pedem a devolução da MP, alegando que o Congresso já havia decidido sobre o tema. Agora, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, busca uma solução conciliatória, ainda durante o recesso parlamentar. No entanto, já declarou que a desoneração deve continuar valendo.
Segundo Pacheco, o caminho a ser seguido para resolver a questão é de que o governo deve revogar o trecho da MP que determina a reoneração gradual da folha, mantendo a decisão do Congresso.
A discussão também abrange outros tópicos tratados pela MP, como a anulação do Programa Emergencial de Recuperação do Setor de Eventos (Perse) e o teto mensal para a compensação de créditos fiscais.
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