Construir um relacionamento sólido com o setor público tende a ser um desafio para as organizações. Nesse contexto, a união entre relações governamentais e compliance é um aspecto-chave para transformar essa união em oportunidade de melhorias para o negócio.
Como esse é um tema de extrema relevância para muitas empresas, preparamos este texto. Durante a leitura, mostraremos como o diálogo pode ser desenvolvido e quais benefícios ele pode trazer. Aproveite o conteúdo!
Como se dá a união entre relações governamentais e compliance nas organizações?
Para elaborar este artigo, conversamos com Rodrigo Alberto Correia da Silva, que é advogado de formação e hoje trabalha com relações governamentais. Além de atuar como sócio do Correia da Silva Advogados, ele é professor de Regulação e Defesa da Concorrência no MBA de Relações Governamentais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
De acordo com ele, “a área de relações governamentais atua em interlocução direta com tomadores de decisão e influenciadores do poder público, em todos os âmbitos e esferas possíveis”. Por conta disso, é preciso desenvolver uma grande consciência de compliance no dia a dia da atividade — o que deve ser feito de forma absolutamente transparente, institucional e sem ferir a ética da organização.
Profissionais internos, por exemplo, devem informar sobre a companhia que estão representando, assim como membros de associação de classe e consultorias. “Quanto mais a cultura do compliance se estabelece nas relações público-privadas, mais se diminui o espaço para corrupção, tráfico de influência e afins. Assim, cresce a importância das relações governamentais”, explica Rodrigo.
É preciso encaminhar as visões e propostas com técnica, sustentação e profissionalismo, não só nas relações governamentais, mas também no ambiente de conformidade e de correção. A partir disso, cabe à organização a responsabilidade de atender a uma série de normas, regulamentos, regras e seus respectivos impactos sobre o negócio.
Portanto, quando essa discussão é feita de maneira profissional e contributiva, o compliance cresce e as relações governamentais são feitas com correção, transparência e se tornam estratégicas.
Qual é a importância dessa aproximação?
Quando o compliance é trabalhado com a devida atenção e capacidade analítica, forma-se uma base para que as relações governamentais sejam desenvolvidas conforme as expectativas. Os riscos são evitados e a reputação é mantida.
“A formação de uma consciência geral de compliance, em todos os comportamentos, fortalece o contato com o poder público, porque a credibilidade não é desgastada com situações que podem originar complicações do ponto de vista da legislação”, aponta Rodrigo.
Em suma, diminuem-se as chances de essa aproximação ser vista pelos influenciadores da opinião pública como antiética, porque há o escopo da conformidade fomentado pela regulação vigente.
Quais problemas são gerados pela falta diálogo entre relações governamentais e compliance?
“Sem treinamentos e canais de consulta adequados, a proximidade com as práticas de compliance pode ser prejudicada”, afirma o especialista. Mais do que ter profissionais qualificados para cuidar das relações governamentais, é essencial dispor de ferramentas que ajudam a entender o que pode ou não ser feito.
Outro risco é a área de relações governamentais ficar intimidada e achar que não pode estabelecer nenhuma relação público-privada — isso não é verdadeiro. O ideal é que ela consiga contribuir democraticamente com as discussões sem se expor ou entrar em concordância com condutas exageradas ou expositivas.
Para saber qual é o limiar, é fundamental se aproximar do compliance e tirar todas as dúvidas que aparecerem na rotina. Desse modo, o setor de relações terá acesso a um suporte contínuo para agir estrategicamente. Com boa conduta, nenhum risco adicional é criado.
Como implementar essa relação no cotidiano?
Em primeiro lugar, é imprescindível que os responsáveis pelo setor de relações governamentais tenham um preparo específico. Afinal, eles passarão por situações que demandam ações e posicionamentos ágeis. Imagine um questionamento feito em uma reunião com os stakeholders: não é possível pausá-la para consultar o departamento de compliance, certo?
“Para atingir essa agilidade, é indicado recorrer a um treinamento prévio e ostensivo, com grande volume, tanto do ponto de vista da legislação aplicável quanto da postura de compliance adotada pela organização”, recomenda Rodrigo. Vale lembrar que os processos decisórios em relações governamentais, por vezes, têm ritmos acelerados, o que exige dos profissionais a aptidão para atuar na mesma velocidade, com rápido acesso ao compliance.
Sendo assim, o compliance, por sua vez, não pode se privar da rapidez que o diálogo requer. Caso contrário, a atividade é prejudicada. “Os setores devem estar próximos, ter comunicação rápida e uma compreensão mútua”, pontua o advogado e professor. “Um deve compreender que o outro é importante para proteger a organização e seus representantes”.
As relações governamentais se constituem como um braço importante para a companhia, porque ela desenvolve negócios em um ambiente regido por regras, políticas públicas e normas. Para que a organização alcance sucesso nesses âmbitos, é essencial que o diálogo esteja bem alinhado internamente.
Quais ferramentas e conceitos são importantes para esse processo?
Em primeiro lugar, é necessário investir em treinamentos de compliance e de relações governamentais — dos mais tradicionais aos mais disruptivos, ligados ao Business Intelligence. Além disso, as áreas carecem de encontros periódicos frequentes e de lideranças capazes de ditar um tom uniforme para toda a organização. De pouco adianta um gestor exigir uma postura de um departamento e se esquecer dos outros.
Também há a necessidade de entender que a área de relações governamentais atua em conformidade com os direcionamentos do compliance. Porém, existem situações nas quais o profissional deve ter autonomia para não agir, a fim de proteger a companhia.
“Ferramentas de comunicação, que funcionam como um repositório de informações, são bastante úteis para fortalecer esse vínculo, tendo em vista que auxiliam no acompanhamento do que as relações governamentais fazem e permitem estabelecer a rastreabilidade das atividades”, aconselha Rodrigo.
Um case bastante interessante a respeito disso é o projeto Instituo Ética Saúde. Ele tem um lado de autorregulação e outro que contempla interlocução com o congresso na discussão dos temas, dos projetos de lei e de convênios com os órgãos de fiscalização.
Enfim, relações governamentais e compliance são duas áreas complementares que, juntas, podem fazer muita diferença para as organizações. Com o preparo adequado, o impacto tende a ser bem positivo.