O Advocacy tem sido fundamental para o fortalecimento da democracia no Brasil. Isso porque sua prática pode ser compreendida como uma das principais ferramentas de cidadania – uma vez que o seu exercício permite que entidades da sociedade civil possam se organizar em defesa de uma pauta comum à sociedade e, assim, pressionar e influenciar a tomada de decisão do poder público.
Considerando o atual cenário de pandemia global ocasionado pelo novo coronavírus, o Advocacy tem se mostrado ainda mais relevante e necessário: diante de crises, os tomadores de decisão, muitas vezes, são instados a agir rapidamente e, com isso, podem não levar em conta todos os atores impactados por suas ações. Nesse contexto, a prática do Advocacy surge como um instrumento essencial para vocalizar o ponto de vista de diversos grupos que nem sempre possuem acesso aos decisores ou mesmo visibilidade pública necessária para gerar mudanças sociais.
Em recente exemplo, o salto no número de desemprego no país e as medidas adotadas, como a redução de salários, para conter a crise econômica provocada pelo COVID-19 levou grupos da sociedade civil a se mobilizarem para garantir melhores condições à população de baixa renda. Com isso, por meio de forte pressão destas organizações, junto a outros atores, foi sancionada pelo presidente da República o Projeto de Lei 13.982/20, que institui o pagamento de auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 aos grupos vulneráveis da sociedade durante a pandemia do coronavírus.
Em outro importante momento durante o enfrentamento da crise, entidades da sociedade civil também se manifestaram sobre a aprovação da MP 928 que, dentre outras disposições, suspende os prazos de respostas aos pedidos de acesso à informação nos órgãos ou nas entidades da Administração Pública, colocando restrições à Lei de Acesso à Informação (LAI). Para as organizações, a Medida impõe como um dos desafios a eficiência na comunicação em um momento de polarização, além de ir contra o princípio de transparência, fundamental, inclusive, para o combate ao vírus.
Para Andréa Gozetto, professora do Instituto de Desenvolvimento Educacional da Fundação Getulio Vargas (FGV/IDE), ter acesso aos decisores, sobretudo neste momento em que as decisões precisam ser tomadas com velocidade, é essencial para a prática do Advocacy. “Os grupos de Advocacy auxiliam a construção de um quadro mais abrangente e preciso sobre os possíveis impactos das ações governamentais”, afirma. Ela participou do webinar WebRAC II, da Rede Advocacy Colaborativo (RAC), em 29/04/2020.
O Advocacy e a deliberação remota
Para contribuir com a mitigação da propagação do coronavírus no parlamento, evitando a aglomeração durante plenários e sessões, o Congresso implementou o Sistema de Deliberação Remota (SDR), uma solução para viabilizar discussões e votações durante o período de quarentena. E embora a medida seja absolutamente necessária para combater o contágio e, ao mesmo tempo, manter a continuidade do funcionamento do Congresso Nacional, ela também traz grandes desafios para a prática do Advocacy.
De acordo com Gozetto, “é louvável que o Parlamento brasileiro tenha sido o primeiro no mundo a deliberar remotamente. No entanto, a participação dos parlamentares foi privilegiada e pouco esforço tem sido despendido para garantir a participação da sociedade civil e aumentar o grau de transparência do processo decisório. Não há previsibilidade quanto ao conteúdo do que será deliberado e também não há canais institucionais para que a sociedade civil possa participar do sistema de deliberação remota.”
Além disso, segundo a professora, na prática, se o grupo de Advocacy não construiu um canal de comunicação sólido e contínuo com os parlamentares, não consegue se comunicar de forma apropriada. “O sistema de deliberação remota prejudica o diálogo entre Parlamento e sociedade civil. Afinal, as redes sociais não bastam quando se pretende ter um debate de ideias de alto nível”, completa.
Acessar os parlamentares é uma atividade que demanda grande esforço por parte das organizações da sociedade civil mesmo antes da crise do COVID-19. Após a pandemia e a implementação do SDR, os grupos têm encontrado ainda mais dificuldades para acompanhar as tramitações, debates e votações. Gozetto explica que monitorar as ações do Congresso em tempo real tem sido uma tarefa de difícil execução caso não tenha sido estabelecida uma relação com os parlamentares anteriormente. “Para que isso seja possível, é preciso ter acesso aos tomadores de decisão e a sua assessoria. Se esse acesso não foi construído de forma contínua e sólida pelos grupos de Advocacy antes da pandemia, acompanhar as ações do Congresso é quase impossível. No entanto, o auxílio das consultorias especializadas e das plataformas de monitoramento legislativo tem contribuído muito para esse fim.”
Além das dificuldades em relação à proximidade com o trabalho que vem sendo desempenhado pelos parlamentares de maneira remota, Gozetto aponta que a questão da transparência durante todo este processo pode ser muito comprometida. Para ela, serão necessários grandes esforços por parte da sociedade civil para que o parlamento olhe para essa questão da forma rigorosa que ela merece, levando em conta que a participação e transparência são importantes princípios da democracia.
Ela lembra, ainda, que o trabalho em rede nunca foi tão importante e que, apesar de todas as adversidades encontradas pelos grupos neste período, esse também é um cenário de oportunidades. “É preciso aprender a se beneficiar das tecnologias digitais e a usar de forma virtuosa as redes sociais e os aplicativos de mensagens. Deve-se partir da construção do objetivo de Advocacy, para que, de forma estratégica, seja possível definir quais são as ações necessárias para alcança-lo e a partir de que ferramentas de comunicação.”
Segundo Gozetto, apesar da construção de coalizões ser um processo bastante delicado, ao unir forças e otimizar recursos é possível alcançar bons resultados. E é por essa razão que, em meio a este momento política e economicamente conturbado e socialmente sensível, a prática do Advocacy se torna extremamente necessária para que, em defesa de diversas causas de diferentes grupos, as entidades da sociedade civil possam, seja pela pressão junto aos tomadores de decisão, pela elaboração de modificações na legislação ou por qualquer outro recurso, identificar espaços de posicionamento para assegurar a efetividade de suas atuações, a fim de garantir os direitos e o bem-estar da população.