Negociação: o método de Harvard
Atualizado: 6 de mar.
A divergência de opiniões e posicionamentos fazem parte da construção política, sendo objetos naturais à democracia. O debate de ideias e ideais, muitas vezes concebido de forma acalorada por todas as frentes da sociedade, reforça o direito à livre manifestação e abre espaço para a pluralidade de pensamentos. Por outro lado, à medida em que o cenário político se tornou cada vez mais hostil e intolerante, considerando a radicalização das discussões, a polarização ascendeu, trazendo consigo significativos impactos para toda a população.
Dentre os diversos motivos que podem ser apontados como causas para o acirramento da opinião pública estão a corrupção, crise econômica, falta de representatividade política e descontentamento generalizado, assim como a disseminação de notícias falsas e até mesmo os discursos políticos radicais. A Operação Lava Jato, por exemplo, pode ser compreendida como um dos importantes marcos para esta ruptura e polarização. A falta de confiança dos eleitores em seus representantes somada à desilusão com todo o cenário político e a descrença cada vez mais forte nas instituições políticas colocaram ainda mais pressão em um sistema já bastante fragmentado.
A fragilidade da democracia, estampada pela polaridade e discursos radicais – tanto por parte dos representantes políticos como de seus representados –, pode ser percebida por uma série de acontecimentos históricos recentes, que colocam em xeque a capacidade de sobrevivência do modelo representativo diante da crise democrática vivenciada em todo o mundo. E é justamente a partir deste contexto que se torna absolutamente necessária a revisão dos papéis de atores-chave para romper com o ciclo de enfraquecimento da democracia, evitando, assim, o colapso do regime democrático.
Para mitigar a polarização é preciso resgatar um artifício essencial ao debate político: a negociação. A capacidade de gerar consensos tem se perdido diante da polarização dos discursos, impedindo o estabelecimento do diálogo, vital a qualquer democracia. Saber negociar é fundamental para que os processos políticos possam ser desenvolvidos em prol da sociedade. E embora a negociação seja um recurso cotidiano a qualquer ente social, na esfera política sua ela ganha ainda mais importância, sobretudo para profissionais que atuam em assuntos públicos.
O método de Harvard
Uma das principais dificuldades das negociações no cenário político consiste no fato de que, na maior parte dos casos, as oposições buscam por resultados que possam, ao mesmo tempo, beneficiá-los e prejudicar adversários, esquecendo-se de que um ganho mútuo é possível e pode oferecer impactos positivos principalmente à sociedade.
Buscar ganhos mútuos é, em suma, a premissa do método de Harvard, divulgada no livro Como chegar ao sim, de autoria de Roger Fisher, William Ury e Bruce Patton. A técnica visa atingir uma resolução com ganhos para todas as partes envolvidas em uma negociação de qualquer teor e romper com o paradigma de que, ao negociar, devem haver vencedores e perdedores. Para desenvolver o método e corroborar sua eficácia, os autores se baseiam em quatro conceitos principais: pessoas, interesses, opções e critérios.
De acordo com Ury, é fundamental criar uma estratégia de negociação que cerceie as pessoas, desvinculando-as do problema. É necessário olhar para os interesses mútuos e abrir mão de posicionamentos rígidos, comumente estabelecidos em negociações, onde pessoas tendem a se fixar a uma lista do que é aceitável ou não em um acordo. Também é de extrema importância estabelecer uma relação de confiança para que seja possível lidar com situações difíceis – não permitindo que a negociação seja levada para o lado pessoal a fim de evitar maiores quadros de estresse que podem prejudicar a avaliação de todo o processo.
Em relação ao interesse, Ury destaca que é o conceito que diz sobre o resultado que se quer obter com a negociação. A posição que se adota em relação ao interesse das partes. Por isso é essencial reconhecer o interesse do outro para atuar de forma construtiva e focar nos interesses e não nas posições. Já em relação às opções, a técnica defende que antes mesmo de iniciar um processo de negociação é preciso ter alternativas, ter consciência do interesse de todos os envolvidos a fim de buscar equilíbrio no decorrer de todo o processo. Isso porque um acordo pode não sair como o planejado inicialmente. Por isso, vale contar com outras possibilidades e estar preparado para diferentes cenários que podem surgir durante a negociação.
Por último, Ury afirma que a definição de critérios e objetivos é fundamental para obter sucesso na negociação. Isso porque o método se baseia em princípios e os critérios precisam ser claros para não gerar dúvidas a qualquer uma das partes. Para esta construção é preciso estabelecer regras que sejam justas e imparciais e, dessa maneira, toda a negociação é facilitada, além de preservar o relacionamento entre os envolvidos, uma vez que todo o processo ocorre com clareza e de forma sensata.
O outro lado
A razão pela qual a publicação foi tão bem-recebida é justamente por se opor ao modelo tradicional de negociar, permitindo que as relações sejam mantidas durante uma negociação justa e positiva para as pessoas envolvidas. Para agentes públicos, sobretudo, é imprescindível desenvolver a habilidade de negociar, tendo em vista que é possível obter resultados satisfatórios sem trazer quaisquer prejuízos a todo o processo.
Como exemplo de aplicação do modelo neste cenário é possível explorar as atividades lobistas e toda a atuação do profissional de relações institucionais e governamentais (RIG). Em constante contato com o poder público, a fim de influenciá-lo para a obtenção de resultados positivos, a negociação é parte primordial de sua jornada.
Por isso, definir a melhor abordagem é parte importante e ouvir o outro lado, sobretudo, é crucial para ter êxito, especialmente em climas polarizados, pois é neste momento em que ouvir acaba sendo muito mais difícil do que simplesmente falar. Ainda que haja divergência em uma negociação, conseguir olhar para quem está do outro lado da mesa e ouvir com o propósito de verdadeiramente escutar, para absorver e não apenas refutar, pode ser o fator transformador em um acordo, capaz de mudar o rumo da negociação, além de preservar o bom relacionamento com as partes envolvidas.