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Governo digital: o exemplo da Estônia

Atualizado: 3 de mar. de 2023

A tecnologia vem se consolidando como uma importante ferramenta para solucionar as demandas da sociedade, sendo, muitas vezes, um mecanismo imprescindível para a construção de diálogos entre cidadãos, empresas e órgãos governamentais. Para países como a Estônia, no entanto, os recursos tecnológicos possuem ainda mais relevância por serem peças-chave em um processo de transformação digital que revolucionou as estruturas de governança da república báltica.


Considerada como um dos maiores laboratórios de digitalização e transparência do mundo, a Estônia tem quase cem por cento de seu governo digital. A desburocratização de seus sistemas trouxe mais facilidade e praticidade às operações realizadas pela sociedade: é possível abrir uma empresa em 15 minutos, criar uma conta em um banco em apenas 24 horas e até mesmo participar das eleições pela internet.


Para alcançar esse patamar e se alicerçar como um potência tecnológica, muito à frente de outros países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – consideradas as maiores economias mundiais –, por exemplo, foi preciso percorrer um longo caminho. A transformação digital da Estônia teve início na década de 1990, quando o país conquistou sua independência integral e deixou de ser dominado pela União Soviética.


Nessa época, com a ascensão da internet, os estonianos encontraram na tecnologia uma oportunidade de fazer o que nenhuma outra nação que se adaptava ao mundo digital fez: criar um governo menos burocrático e mais colaborativo, pautado pela digitalização.


O governo digital na prática

Para construir uma democracia inteiramente digital, ou algo muito próximo disso, foi necessário somar esforços para criar alinhamento entre políticos, juristas e especialistas em segurança da tecnologia. Com isso, a Estônia elaborou um processo que se sustenta, basicamente, sobre três pilares: o registro nacional, que armazena dados de cadastro da população pelo governo; o cartão de identidade digital, que traz informações no âmbito jurídico, as quais garantem identificação e assinatura digital; e o desenho de leis baseadas na tecnologia a fim de sustentar esse ecossistema.


Atualmente, estima-se que dos 1,3 milhão de habitantes, 98,2% possuem uma espécie de RG digital, em forma de Smartcard, que oferece à população acesso a mais de 500 serviços governamentais gratuitos. Para utilizar, basta o cidadão validar a operação com um PIN, de forma semelhante ao que ocorre no Brasil com os cartões de débito e crédito. Além disso, desde 2011, também é possível identificar os cidadãos pelo celular via Simcards especiais, os quais contêm um certificado digital e dois códigos de PIN para identificação. Para utilizar qualquer serviço, portanto, basta ter acesso à internet e um leitor de Smartcard. Caso o cidadão não tenha essa estrutura é possível encontrar locais públicos, como bibliotecas, que disponibilizam computadores e leitores com internet segura gratuitamente. O país ainda oferece cem por cento de cobertura de Wi-fi.


Todas as informações contidas na identificação digital dos cidadãos não podem, no entanto, ser armazenadas em mais de um local, conforme definido em lei. Isso significa que dados como nome, data de nascimento, endereço, informações bancárias, entre outras, devem estar cadastradas em uma única base de dados.


Dessa forma, para gerir essa estrutura, a Estônia desenvolveu uma rede chamada X-Road, que permite o compartilhamento de informações entre diferentes sistemas de maneira segura – e é dado ao cidadão, ainda, o benefício de determinar quais informações estarão disponíveis e quem terá acesso a elas. O compartilhamento de informações por meio desta rede facilita a utilização de serviços interligados. Se uma pessoa consulta um médico, por exemplo, e recebe uma prescrição, as informações poderão ser acessadas por um farmacêutico.


Com isso, a Estônia vem fortalecendo a digitalização do governo de maneira segura e possibilitando que a sociedade desfrute de serviços de forma rápida e eficiente. Para se ter ideia do todo, há apenas três situações que exigem a presença física de um cidadão em uma instituição governamental: casamento, divórcio e transferência de titularidade de imóvel. No mais, todo o funcionamento do país é digital.


Eleição pela internet

Na vanguarda do governo digital, a Estônia se tornou o primeiro país a realizar eleições também pela internet. Para votar, basta o eleitor utilizar seu registro digital em um leitor de Smartcard, autenticar sua identificação e escolher um candidato – o voto é então criptografado, de modo que seja possível saber quem votou, mas não em quem.


O período de duração das eleições online é de sete dias e o eleitor pode votar quantas vezes quiser, no entanto, somente o seu último voto será computado. Essa opção foi desenhada para aumentar a segurança e evitar a compra de votos, bem como coibir o voto forçado. Se, de alguma forma, uma pessoa forçar outra a votar em determinado candidato será possível corrigir o voto posteriormente.


O eleitor tem, ainda, a opção de votar normalmente de forma presencial. Caso o cidadão já tenha participado da eleição via internet e decidido também participar do processo fora do sistema online, o voto digital será descartado.


A importância da segurança nos processos digitais

Conquistar a confiança da população no processo de transformação digital não é uma tarefa fácil. Por isso, o primeiro passo do governo estoniano foi construir uma estrutura open source (código aberto, em tradução livre). Isso significa que a rede de compartilhamento não possui um proprietário e funciona de forma descentralizada. Caso uma companhia crie um novo serviço voltado à sociedade e queira compartilhá-lo, ela pode simplesmente acoplá-lo à estrutura. E isso é tudo.


Mas, durante o processo de adaptação e implementação da digitalização, o governo enfrentou alguns percalços. Em 2007, o país precisou lidar com uma série de ataques cibernéticos que derrubou alguns dos serviços governamentais. Apesar da evidente preocupação da população diante do ocorrido, o princípio de transparência adotado pelo governo para lidar com a situação – informando à sociedade sobre os problemas de segurança e fomentando o diálogo acerca das medidas que seriam tomadas – reestabeleceu a confiança da população.


Para se proteger, o governo estoniano construiu em Tallinn, capital do país, um centro cooperativo de cyber segurança, reconhecido, atualmente, como um mais poderosos think tanks de segurança tecnológica. Além disso, todo o acesso às identificações digitais precisa de autenticação em duas etapas e foram criadas leis mais rígidas sobre a proteção dos dados, assim como a instituição de auditorias independentes que ocorrem regularmente para assegurar a segurança e, consequentemente, manter a confiança da sociedade no sistema.


A digitalização no Brasil

Mudar o modelo de governo, tornando-o digital, traz inúmeros benefícios para a sociedade, mas não é só isso. Há impactos significativos para a economia também. Com a digitalização de seus serviços, a Estônia conseguiu poupar cerca de 2% do PIB por ano. Em 2018, o resultado foi de US$ 26 bilhões, de acordo com dados do Banco Mundial.


Mas no Brasil o cenário é completamente diferente. Um relatório desenvolvido pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2018, mostra o Brasil na 44ª posição, entre 193 países, em um ranking que avalia o índice geral de desenvolvimento de governo eletrônico. Se na Estônia é preciso de apenas 15 minutos para abrir uma empresa, o brasileiro precisa de mais paciência para enfrentar cerca de 80 dias de burocracia para ter o seu novo negócio. Além da dificuldade imposta à sociedade, o Brasil também perde economicamente – tendo como base o PIB de 2018, o país poderia poupar R$ 136 bilhões ao digitalizar o governo.


Para o Brasil a digitalização pode ser um processo mais oneroso. Há variáveis em relação a Estônia, como a quantidade de habitantes – os estonianos representam, em média, apenas a população de Porto Alegre –, os diferentes serviços prestados pelo governo, o acesso à internet – dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2018, pouco mais de 60% da população tem internet –, e a própria cultura; a Estônia nasceu digital.


Apesar das diversidades, recentemente, o país anunciou que pretende investir em tecnologia para tornar o governo digital. Até o fim deste ano, o governo federal pretende digitalizar mil serviços públicos prestados pelo Executivo Federal. O desafio brasileiro, no entanto, é gigantesco. Atualmente, o Brasil possui, ao menos, 20 bases federais que armazenam dados de documentos, como CPF, RG, passaporte e cartão do SUS. Um cadastro associado ao INSS em breve terá 51 bases replicadas. Ao considerar os 22 ministérios, institutos e universidades públicas, o número de bases pode ultrapassar 500, segundo estimativa baseada no Sisp, sistema federal de tecnologia de informação. Com isso, o governo pode ter acesso à vida econômica dos cidadãos, as relações empresariais e estudantis, parentescos e até mesmo informações sensíveis como raça.


Com isso, o governo pretende desenvolver estratégias para digitalizar e unificar os serviços ao cidadão. Dessa forma, não seria mais necessário à população atualizar seus dados, como uma mudança de endereço, em uma série de órgãos, mas em apenas um. Tendo esse modelo em vista, o governo busca reduzir filas e custos, prestando um melhor serviço à sociedade, além de minimizar fraudes.


O Ministério da Economia tem previstos investimentos na casa de R$ 2 milhões para a interoperabilidade de bases, incluindo a implantação do cadastro base, APIs e blockchain. No entanto, algumas medidas ainda encontram resistência no Congresso e na comunidade acadêmica. Pesquisadores têm apontado para a possibilidade de casos de mau uso para a segurança pública, discriminação e vigilância. Além disso, outro ponto crucial aparece no centro das discussões: a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). É preciso tratar os dados dos cidadãos com cuidado e criar mecanismos, alternativas e políticas públicas que possam estar em conformidade com a lei. Um problema já inicial é que o plano não prevê um canal de transparência para que a população tenha conhecimento sobre o uso de seus dados por diferentes órgãos.


Fato é que embora o Brasil esteja começando a dar alguns passos rumo à transformação digital do governo, ainda há muitas lacunas que precisam ser preenchidas para que o país possa experienciar um modelo de governança menos burocrático e mais seguro e amigável para a sociedade.

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